Introdução a uma História Indígena - Manuela Carneiro da Cunha

Tipo de documento:Redação

Área de estudo:Religião

Documento 1

Enquanto os europeus registraram as histórias das Monarquias, os índios eram povos sem história. Assim, não se podia saber a origem primeva dessas pessoas que ocupavam um continente tão vasto como a América. Como eles foram parar ali? Essa foi uma pergunta recorrente entre os intelectuais do velho mundo. Os navegantes, aqueles que batizaram as terras do Brasil, num ato de criação e de posse, “descobriram” uma terra de ninguém, e ao entrarem em contato com aqueles que por um acaso estavam ocupando o território, propiciaram a eles a chance de fazerem parte do grande curso da História. Mas a pergunta permaneceu: “como enquadrar [. Longe de um consenso na comunidade arqueológica, a questão das datas de migração continuam sendo debatidas.

Há os que defendem, entre arqueólogos e linguistas, a data de 12 mil anos, porém outros apontam, a partir de evidências encontradas em novos sítios, para uma chegada dos humanos na América numa da anterior, por volta de 35 mil anos. O que fica claro é que migrações sucessivas ganham força em detrimento de uma migração única da Ásia para a América. Apesar de ainda possuirmos pouca informação sobre a história dos povos ameríndios, temos um conhecimento construído a partir de fragmentos que nos possibilita, pelo menos, nas palavras da autora, “não incorrer em certas armadilhas”. Armadilhas nas quais “caíram” muitos estudiosos do século XIX, quando, baseados num pensamento evolucionista, classificaram os povos sem Estado, os povos que habitavam as Américas, como primitivos.

Mais uma vez, a História está presente na sociedade indígena quando as etnias se fracionam, ao mesmo tempo que as frações se homogeneízam culturalmente. Logo, para a autora, as unidades sociais que conhecemos hoje são provavelmente o resultado de um processo de atomização, como o que acontece com os Kayapó, ou “o reagrupamento de grupos linguisticamente diversos”, formando uma trama de tecido social bastante complexa, que cobria todo o território brasileiro, mas que hoje só existem fragmentos. Por fim, a relação direta entre os povos indígenas e a natureza está marcada por mudanças, do passado para o presente. Hoje, sociedades indígenas na Amazônia possuem duas características básicas: são igualitárias e diminutas. Como explicar isso? Poderiam possuir no gene uma aversão ao estado, poderiam ter a população diminuta devido a imposição ambiental, como pobreza de solo, ou dieta deficiente de proteínas.

Como afirma Manuela, “os micro-organismos não incidiram num vácuo social e político, e sim num mundo socialmente ordenado”. Sendo assim, um fator que contribuiu para a proliferação das doenças foi a criação dos aldeamentos religiosos, que representaram um verdadeiro desastre para a saúde dos índios, entre 1562 e 1564, com as epidemias de sarampo e varíola, que assolaram parte do território que hoje é a Bahia. Os aldeamentos forçavam a concentração de indígenas num espaço restrito, o que favorecia a transmissão dessas doenças. Enquanto crianças faleciam adoecidas, missionários buscavam batiza-las, como se sua crença cristã servisse de alguma coisa. A única forma dos aldeamentos aumentarem de população não era biologicamente, mas apenas através de alistamentos compulsórios de nativos, que eram trazidos do interior para ocupar o lugar dos que morriam no litoral.

Desde 1960, as estimativas quanto ao tamanho do genocídio tendem a ser mais altas. Isso ocorre devido ao acesso a novos documentos de cronistas que relataram aspectos da presença indígena na América, cronistas que também passaram a ser mais valorizados pelos pesquisadores. Essas informações construídas ao longo do tempo sobre a demografia dos nativos, por mais dispares que pareçam, demonstram, pelo menos, que o continente americano não era um lugar pouco povoado, pronto para ser ocupado por europeus. A América não foi descoberta, foi invadida (Jennings, 1975). Há uma história de como esse processo foi ocorrendo ao longo dos primeiros séculos. Já à Coroa, competia a responsabilidade de evangelizar sua colônia, arcando com as despesas, e por isso adquirindo prerrogativas religiosas.

Ao rei os clérigos se sujeitavam, e ao rei era concedido pelo papa o dever de escolher os bispos, construir dioceses e outras obrigações, sempre visando a manutenção da presença da Igreja em sua colônia. Os jesuítas expandiram seu domínio territorial na colônia principalmente entre os séculos XVII e XVIII, quando o interesse pela Amazônia ditava as ordens da Coroa portuguesa. Depois do auge, muito por conta da influência de Padre Vieira, veio o declínio da ordem jesuítica, quando, em 1759, seu membros foram expulsos da América Portuguesa por Marques de Pombal. Até então, os indígenas representavam força de trabalho para os colonos. Logo, não haveria espaço para serem sujeitos históricos se não os colonizadores.

Mas Manuela apresenta exemplos de como, ao longo dos séculos, os indígenas agiram como atores políticos, influenciando no rumo da própria história. No século XVI, Tamoios e aos Tupiniquins se aliaram respectivamente aos franceses e portugueses; no século XVII, grupos de Tapuias se aliaram aos holandeses, contra os portugueses; já no século XIX, os Munduruku combateram contra índios hostis no Madeira. Isso demonstra que a política indígena é necessária para que se explique como ocorreu a política da metrópole. Manuela dá mais exemplos: “se nesses casos não é certo a quem cabe a iniciativa, em outros a iniciativa é comprovadamente indígena: no século XVII, grupos Conibo (Pano) querem aliados espanhóis (missionários) para contestar o monopólio Piro (Arawak) das rotas comerciais com os Andes”.

Nesses mitos, a oportunidade de dominarem as armas que os brancos usavam foi dada aos índios. Eles que recusaram, escolhendo o arco e a flecha e a cuia, como contam os Krahô e os Canela. Outros exemplos são dados pela autora como o dos tupinambás “cujos antepassados teriam escolhido a espada de madeira” (arco e flecha), “em vez da espada de ferro”. Para os indígenas, foi dada a opção, seja pelo sol, ou por outra entidade, sendo eles, como afirma a autora, “agentes de seu destino”, fazendo talvez a escolha errada, mas mantendo a responsabilidade de terem agido em sua história. Da mesma forma, a história do contato com os brancos é narrada pelos índios a partir de uma iniciativa deles próprios, arcando com suas consequências.

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