A política democrática de acordo o pensamento de Hannah Arendt

Tipo de documento:Redação

Área de estudo:Serviço Social

Documento 1

Aos amigos, pela solidificação de nossa confiança através de suas ações e palavras motivacionais; Aos mestres, pela arte de lecionar conduzida com agudeza de espírito, companheirismo e repasse de credibilidade em nossas qualidades.  Sujeito a alteração                                   Aos que deram além de motivação, uma ajuda prática, promovendo a consolidação deste trabalho, o que seria mais difícil sem eles.                                   “O que tenho em mente é uma discussão muitíssimo elementar da coisa toda. Não se trata de uma discussão do atual aparato de conceitos das ciências sociais e políticas ou do poder etc. Mas sim uma introdução àquilo que a política é, originalmente e com que condições fundamentais da existência e da condição humana a coisa política e pública, tem a ver.

Thus, the policy promotes the common good, and to ensure, by citizenship, the right to have rights, ensures the freedom to be unique for each new birth appeared in "stage of existence. Thus, this monograph discusses the sense that Arendt attributes to the policy after the novelty of totalitarian break through the resumption of Greek politics, reflecting on the right to have rights of man as a politician. Therefore approached in the first chapter the meaning of politics and the man as a politician. In the second chapter, we bring to the discussion the crisis of human rights, coined by tradition and finds its disintegration into totalitarianism. Also discuss aspects proposed by Arendt, that must be taken into account to establish human rights to ensure the plurality of being, in order to avoid a recurrence totalitarian.

Tentarei, portanto discorrer de forma sintética, a noção de esferas publica presente no seu pensamento, tomando como ponto de partida as obras A condição Humana e O que é Política, que foram verdadeiros alicerces para a realização desta monografia. O mundo comum, isto é, a esfera pública perde seu sentido de existência ao ser encarado em um só aspecto, permitindo assim, somente a perspectiva de um espaço público somente para alguns. Descobrir o mundo arendtiano foi uma experiência fascinante e entendê-lo foi de fato difícil. Portanto, este trabalho se configura, de fato como uma singela tentativa de relacionar a mídia com a política a partir dos conceitos construídos por Hannah Arendt sobre esfera pública a partir das obras indicadas.

Sair ilesa depois de estudar Hannah Arendt é impossível. Assim, ocorre uma inversão: aquilo do qual anteriormente era preciso se libertar para a possibilidade de vida política, ou seja, a satisfação de necessidades materiais, agora, se tornou a justificativa pela qual os homens vivem em comum, relegando a práxis política a um caráter secundário, sendo esta, simples meio de concretização deste ideal de satisfação material. Tal inversão ocasionou o esquecimento da política (em seu sentido pleno), que agora está dissociada da liberdade, criando um modelo de sociedade marcado pelo consumo, conformismo, de seres massificados, de comportamentos ditados e reproduzidos. Assim, neste modelo, é mais livre quem melhor satisfaz suas necessidades. A dominação ganha status de liberdade, rompendo qualquer ligação da mesma com o sentido de igualdade.

Quanto mais o homem se desvencilha do espaço comum e legitima sua individual satisfação material, mais livre é. O QUE É POLÍTICA   A preocupação com a política permeia toda a obra de Hannah Arendt, quer pela análise de regimes ou sistemas de governo, como o totalitarismo, ou de temas correlatos, como autoridade, liberdade, revolução, violência. A seu ver, o exercício do pensamento político consiste em mover-se na lacuna entre o passado e o futuro, tomando os acontecimentos do presente, da experiência viva, dos quais o pensamento pode emergir. Hannah Arendt identifica o nascimento da política com o momento histórico em que se instaurou uma clara distinção entre: público e privado, liberdade e liberação, bíos e zoé, vida política e vida biológica, em suma.

Do mesmo modo, identifica o declínio do político no mundo moderno no progressivo deslocamento das preocupações coletivas para o cuidado da vida e na diluição da fronteira entre espaço público e espaço privado a partir do que chama de “ascensão do social”. São estas teses que se pretende aprofundar, notadamente a partir da comparação entre trechos específicos de A condição humana e As origens do totalitarismo. Hanna Arendt defendeu que a política se trata da convivência dos diferentes e o poder é o mero resultado da capacidade humana de agir em comum acordo. Assim sendo, não se tratava de um processo de dominação de um sobre os outros, mas da constituição de acordos movido pelo amor comum ao mundo de seus participantes, o que só seria possível na existência de uma relação simétrica entre eles.

Arendt nega, portanto, a concepção de que algo político pertence à essência humana[1] ou mesmo ao aparelho Estatal, pelo contrário, o fazer política é antagônico a qualquer manifestação privada essencialista ou institucional, no sentido de não ficar restrita a vida interior dos indivíduos ou de uma instituição. A política tem como espaço de exercício os intraespaços humanos, logo só se estabelece no ato relacional (ARENDT, 1998). Nesse sentido, o isolamento e a solidão destroem a capacidade política, pois, acima de tudo, o homem perde a disposição de agir com o outro e, como veremos mais tarde, essa perda implica em uma incapacidade de revelar e conhecer sua própria identidade ou, em outras palavras, uma perda de si próprio.

Initium ut esset homo creatus est (para que houvesse um início o homem foi criado). Esta frase de Agostinho é seguramente a citação mais recorrente em toda a obra de Hannah Arendt, mesmo que ainda não apareça na sua tese de doutorado sobre O conceito de amor em Agostinho. Aquele início, garantido por cada novo nascimento, foi mencionado na segunda edição de As origens do totalitarismo como uma réplica à sua própria conclusão pessimista da primeira edição; e foi utilizado em A condição humana para a compreensão do conceito de ação como instauração de um novo começo. Cada ação afirma a singularidade do agente, mas, ao mesmo tempo, reafirma as condições humanas da natalidade e da pluralidade.

Se concebermos a ação como o começo que deflagra uma nova série de eventos, mas que não pode ser deduzido de eventos precedentes compreenderemos porque a pluralidade contida no nascimento é a condição prévia (conditio sine qua non) da vida política e também porque a pluralidade, reafirmada em cada ação, é a própria razão de ser (conditio per quam) da política. E o que se decide, em última instância, é sobre a exceção. Soberano é aquele que, mobilizado pela necessidade, decide sobre a exceção e, por conseguinte, está à margem da lei. Tais considerações têm consequências bastante extremas para a compreensão do significado da política. A soberania instaura efetivamente um paradoxo: o fato de que o soberano está, ao mesmo tempo, dentro e fora do ordenamento jurídico.

Este paradoxo se torna patente no estado de exceção. A vitória do animal laborans traduz a ascendência da saciedade sobre a honra ou a virtude e da natureza sobre a política. Buscaremos examinar as implicações para o pensamento político contemporâneo da diluição da fronteira entre natureza e mundo humano. Tal fronteira está na própria base da história do pensamento político do Ocidente, que pressupôs uma clara separação entre zoé e bíos, entre vida natural e modo de vida, entre vida vivida e biografia. A partir do pensamento político de Hannah Arendt, pretendo refletir sobre as implicações de um avanço do biológico sobre o mundo humano; enfim, a instauração de uma zoocracia, por assim dizer.

Esta relação entre soberania e exceção Hannah Arendt a encontra materializada no evento totalitário in totum, mas mais particularmente nos campos de extermínio que se configuraram como fábricas da morte e poços de esquecimento, em que a disposição soberana sobre o corpo dos subjugados redundou em uma fabricação da superfluidade e em uma destruição da “natureza humana”, da espontaneidade. Arendt diz:   A política baseia-se na pluralidade dos homens [. a política trata da convivência entre diferentes. Os homens e organizam politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto [. Os homens organizam corpos políticos sobre a família [. A política não está nos homens, mas entre eles. Diante desse pano de funda Hannah, lembra em abordagens sempre novas, a ideia da coisa política que aflora pela primeira vez na história na polis grega, e que é idêntica à liberdade.

Além disso, ela constata:   “A política baseia-se no fato da pluralidade dos homens”, ela deve, portanto, organizar e regular o convívio de diferentes, não de iguais. Distinguindo-se da Interpretação geral comum do homem enquanto um zoom politikon (Aristóteles) em consequência da qual o político seria inerente ao ser humano, Arendt acentua que a política surge não no homem, mas sim entre homens e que a liberdade e espontaneidade dos diferentes homens são pressupostos necessários para o surgimento de um espaço entre homens, onde só então se torna possível a política, a verdadeira política. O sentido da política para a autora vem a ser a liberdade. Sua ideia do que é político nasceu na verdade, da lembrança da antiga polis grega.

Nada mais distante do pensamento arendtiano do que conceber o direito, ou os direitos humanos, como a instância política privilegiada para o exercício ativo da cidadania e para a compreensão da política em suas impossibilidades contemporâneas. Nada mais contrário ao pensamento político arendtiano do que considerar a política como fundada no direito, fazendo do direito, e dos direitos humanos, uma política (Gauchet, 1980). E, no entanto, na literatura secundária é frequente encontrarmos a menção a Arendt como uma pensadora do direito, sobretudo em função da sua concepção da cidadania enquanto o “direito a ter direita”, expressão cunhada em sua análise da ruptura totalitária. Tal interpretação do pensamento de Arendt, em que a sua compreensão da política é alinhavada por questões e categorias jurídicas, parece-me própria de um tempo despolitizado em que predomina a subsunção do político ao jurídico entre as principais correntes da teoria política contemporânea, sob a inspiração de autores seminais como Jürgen Habermas e John Rawls, por exemplo.

Nas considerações que se seguem, gostaria de argumentar que Hannah Arendt se posiciona à margem da recorrente subordinação da política ao direito nos debates da teoria política contemporânea, o que, entretanto, não faz dela uma pensadora alheia ou avessa ao direito. Em sintonia com essa interpretação antiliberal do pensamento arendtiano, penso que ele, ao não subordinar a política ao direito, também nos permite compreender os acontecimentos históricos do presente em que o recurso ao direito opera de maneira a veicular, encobrir e legitimar a violência, que sempre obstrui as alternativas genuinamente políticas dos conflitos do presente. Por todos estes motivos, qualifico o pensamento arendtiano a respeito da ação política como democrático-radical, a fim de enfatizar aquilo que o distingue em relação ao entendimento tradicional da democracia pelos teóricos do liberalismo político, que, em geral, têm uma concepção negativa a respeito do poder e da política, expressa na concepção da direito como instância de proteção do indivíduo frente ao poder.

Para Arendt, a relação entre o direito e a política é necessariamente tensa e jamais solucionável de uma vez por todas, visto tratar-se, aí, de uma variação da tensão existente entre o poder constituinte e o poder constituído. O reconhecimento desta tensão se manifesta na concepção arendtiana de que o direito é simultaneamente uma fonte de estabilização da criatividade potencial de toda ação coletiva livre, bem como uma fonte de criação de novos espaços de liberdade, visto que, se ele for compatível com a democracia radical, será capaz de formalizar e tornar públicos certos princípios políticos que inspirem novas ações coletivas. Nesse aspecto, minha interpretação é contrária à crítica proposta por Negri, para quem Arendt teria reconhecido o potencial criativo e expansivo do poder constituinte, mas o teria rechaçado pelo recurso ao “constitucionalismo clássico e conservador”, expresso, por exemplo, em sua defesa da revolução americana (Negri, 1994, p.

Tampouco terá sido por acaso que Arendt rejeitou o primado moderno da soberania, que ela considerou incompatível com a sua concepção da liberdade enquanto participação ativa nos rumos da política. A ESFERA PÚBLICA E A DEMOCRATA   Na obra Da revolução (1963) que, a nosso ver, representa o ápice das reflexões de Hannah Arendt acerca dos problemas políticos que nasceram com o projeto da modernidade, Arendt tece severas críticas ao corpo político, tal como foi constituído no bojo dos eventos revolucionários do século XVIII. Quais seriam as objeções de Arendt no tocante à constituição das democracias modernas? Qual é o “juízo crítico”, do ponto de vista político, da modernidade e da democracia, na perspectiva da “teoria crítica” arendtiana?  Estas, entre outras questões que, na sequência do texto, serão apontadas, constituem o eixo da proposta desta pesquisa que, resumidamente, pode ser assim apresentada: I) procurar-se-á rastrear os argumentos por meio dos quais Arendt insiste na diferença entre democracia e república; II) identificar o lugar da ação política no pensamento de Hannah Arendt, partindo da hipótese de que os conceitos de ação articulados ao de fundação se apresentam como conceitos referenciais, a partir dos quais seria possível compreender as razões que levaram Arendt a contrapor democracia e república; III) busca dos elementos que, na teoria política arendtiana, possibilitem pensar os dilemas da democracia e da construção da república no Brasil, partindo de sua recusa da democracia representativa, para se chegar à análise de viabilidade das alternativas por ela apontadas, visando a construção de um Estado democrático ou, para falar na linguagem arendtiana, de uma república democrática.

Para avançar no esclarecimento dessas proposições, invoquemos as explicações dadas por Arendt, para quem, “o uso recente da palavra democracia acentua o domínio e o papel do povo, em oposição à palavra república, com sua ênfase nas instituições objetivas. A palavra democracia só foi usada na França a partir de 1794; até mesmo a execução do rei ainda foi acompanhada pelos gritos de Vive la republique”. Além disso, Arendt pensa, também, que o sistema de conselhos seria “a única forma de governo que permitiria o exercício da felicidade pública por parte de todos aqueles para quem a felicidade não se restringe à fruição privada da liberdade”. A concepção de Estado vinculada à noção de conselho, vale dizer, se encontra presente na reflexão arendtiana desde muito cedo, podendo ser encontrada já em seu artigo “Zionism Reconsidered” (1944), no qual Arendt advertia, com extremo poder visionário, que apenas uma organização política federativa poderia trazer soluções profícuas para o estabelecimento da nação judaica, criticando veementemente qualquer recurso à forma do “antigo estado nacional” e sua “soberania”.

Arendt contrapunha à ideia da formação de um “estado” soberano judeu a ideia de uma “pátria” judia (homeland) assentada na divisão federativa do poder com a comunidade palestina. A única solução política viável, ainda que complexa e de difícil realização, seria a formação de um “estado palestino binacional”, ou uma Commonwealth Judaica, a partir de acordos com os árabes e outros povos mediterrâneos. Em um texto de maio de 1948, “To Save the Jewish Homeland”, ela reafirmava a necessidade da colaboração e participação política entre judeus e árabes em “conselhos municipais e rurais”, voltando a criticar a tendência sionista prevalecente de criar um estado judeu ancorado na noção de “soberania nacional”, cujas consequências, ela vaticinava, seriam desastrosas.

O fator fundamental é que, a par de habitarmos um mundo comum - esse mundo que, ao mesmo tempo separa e estabelece uma relação entre os homens - (e isso é perfeitamente compreensível), “o que torna tão difícil suportar a sociedade de massas (. é o fato de que o mundo entre [as pessoas] perdeu a força de mantê-las juntas, de relacioná-las umas às outras e de separá-las. ”[15] Assim, “a troca de opiniões no espaço público sobre o belo e o feio, o certo e o errado, o justo e o injusto, [o permitido e o proibido], é o modo privilegiado de encontro entre pessoas”[16] e se essa troca e esse encontro deixam de acontecer, é porque já não existe mais um mundo que, nos termos de Arendt, corresponde ao espaço publico, lugar privilegiado de discussão e deliberação de problemas comuns.

A crise do político e do esvaziamento do espaço público que a acompanha nos remete, assim, a pensar no fato da política moderna ser dominada pelas esferas pré-políticas da economia e da administração pública. Com efeito, para Arendt, o declínio do público-político está também relacionado à absorção da família por grupos sociais que acabaram por formar uma “grande sociedade familiar”. O ponto de vista do republicanismo é importante – e aqui concordamos com Bignotto -, “porque consegue nos colocar diante de um universo de valores diferente do de pensadores que defendem a simples igualdade de condições para competir no mercado como eixo da moderna condição de cidadão”.  Ora, para refutar esse argumento, faz-se necessário, a nosso ver, resgatar as proposições fundantes da ética e da política republicana, diante da necessidade imperiosa de repensar a relação do homem com a política.

Isto porque, se levarmos a sério a posição de Arendt, para quem o homem se faz mais homem, quando se manifesta na esfera pública, então, há de se ater ao alcance político e moral dessa proposição, como condição de possibilidade para que encaremos o problema de vivermos hoje em um mundo onde os cidadãos se tornaram seres apáticos refugiados nas “tiranias da intimidade”. A crise do político como tentou demonstrar, se manifesta na incapacidade do sistema de partidos ou da democracia representativa de abrir espaço aos cidadãos garantindo-lhes, assim, a possibilidade de participação nas decisões dos assuntos públicos. Ocorre que, se o mundo deve conter um espaço público, é porque “o espaço público é também um âmbito espiritual”.

“Barbáries? Exatamente. Afirmamos isto para introduzir uma noção nova e positiva de barbárie. O que a pobreza da experiência obriga o bárbaro a fazer? Começar de novo, começar do novo”[24]. À luz desta proposição, pode-se lançar a pergunta: Trata-se de acomodar ou refundar a República no Brasil? Eis a questão. As origens do totalitarismo   Ao longo de As origens do totalitarismo, Arendt argumenta que o fenômeno totalitário estilhaçou nossas categorias políticas, morais e jurídicas tradicionais, donde a dificuldade para compreendê-lo. Como punir condutas criminosas cuja enormidade absurda não encontra nenhuma pena que lhe possa ser correspondente? Como refletir em termos jurídicos quando o conceito totalitário de culpa se desvincula dos atos e palavras daqueles que são considerados inimigos do regime? Os governos totalitários definem a culpa de seus inimigos não a partir de sua conduta no mundo, mas a partir de sua certidão de nascimento, tomada como justificativa suficiente para a perseguição, reclusão e assassinato.

Assim procedendo, as suas vítimas são escolhidas a despeito de sua própria inocência objetiva, destruindo-se por completo o nexo jurídico entre ação e consequência, bem como a própria possibilidade da distinção entre culpados e inocentes, visto que ambos têm o mesmo destino. Sob condições totalitárias, culpa e inocência assume um estranho estatuto ontológico segundo o qual dizem respeito, fundamentalmente, ao mero fato de se ter nascido na classe ou na raça certa ou errados. Ademais, o horror se estende ao fato de que o embaralhamento das fronteiras entre culpados e inocentes também diz respeito àqueles que executaram o assassinato em massa: “[u]ma vez dentro das fábricas da morte, tudo se tornava um acidente completamente para além do controle daqueles que sofreram e daqueles que impingiram o sofrimento.

E em mais de um caso aqueles que impingiram o sofrimento um dia, tornaram-se os sofredores no dia seguinte” (Arendt, 1994a, p. Dadas as condições em que os detentos são enclausurados, todas as decisões relativas às questões morais são tornadas  equívocas e questionáveis, pois mesmo o refúgio da escuta à própria consciência moral foi tornado impossível. Uma vez destruídas a pessoa jurídica e a pessoa moral, resta apenas ao homem a raiz de sua distinção singular em relação a seus semelhantes, a sua espontaneidade, e é justamente para tentar destruí-la que os campos de concentração organizam os seus métodos calculados de tortura. A meta dos campos de concentração é justamente quebrar este último resíduo do humano no homem, transformando-o em um mero “feixe de reações” que pode ser aniquilado sem que ofereça resistência.

Uma vez nos campos, os prisioneiros deixam para trás o mundo dos vivos e são jogados em verdadeiros “poços do esquecimento”, nos quais se veem radicalmente separados de seu passado, de seus semelhantes, e de tudo quanto diga respeito à sua vida anterior. Os campos de concentração põem em questão a definição dos limites entre o humano e o inumano no homem, bem como a própria definição tradicional da natureza humana, tal como formulada pela tradição ocidental em seu caráter imutável. Os apátridas e refugiados produzidos pelo totalitarismo enfrentaram o trágico destino de seres humanos que, por não contarem com a proteção das leis de um Estado que lhes garantisse seus direitos, tornaram-se indesejáveis e supérfluos, nada mais do que meros seres humanos entregues à sorte em sua “nudez abstrata”.

Segundo Arendt, os Direitos do Homem haviam sido considerados inalienáveis porque se supunha serem independentes de todos os governos; mas sucedia que, no momento em que os seres humanos deixavam de ter um governo e pretendiam reaver seus direitos mínimos, não restava nenhuma autoridade para os proteger e nenhuma instituição disposta a garanti-los (Arendt, 1978a, p. A crítica de Arendt à declaração dos direitos dos homens parte de reflexões provocadas por sua própria experiência enquanto apátrida, e visa demonstrar que o fundamento da possibilidade de quaisquer direitos é o direito de pertencer a uma comunidade política enquanto cidadão, isto é, o direito a “ter um lugar no mundo que torne as opiniões significativas e as ações eficazes”, tema que ocupa uma posição central em toda a sua reflexão.

A grande calamidade encarnada pelos povos apátridas “não é a perda de direitos específicos, mas a perda de uma comunidade disposta e capaz de garantir quaisquer direitos. O homem pode perder todos os chamados Direitos do Homem sem perder a qualidade essencial de homem e sua dignidade humana. A nossa vida política baseia-se na suposição de que podemos produzir igualdade através da organização, porque o homem pode agir sobre o mundo comum e mudá-lo e construí-la juntamente com os seus iguais (Arendt, 1978a, p. Segundo Agamben, a despeito da radicalidade da crítica arendtiana à fundamentação dos direitos do homem numa suposta natureza humana, ela não teria dado o passo decisivo que consistiria em romper de uma vez por todas a tríade inquestionável da política moderna, que vincula inexoravelmente o nascimento, a cidadania e o Estado-nação.

Para Agamben, os refugiados são a instância que expõe a crise deste vínculo moderno ao mostrar que, por debaixo da máscara da cidadania, o seu suporte permanece sendo a vida natural, o fato puro do nascimento em um determinado território delimitado por um Estado-nação, o que implica a perda total de direitos sempre que se é banido do próprio território estatal, fenômeno que continua se repetindo incansavelmente a cada dia e que, hoje como sob o totalitarismo, continua sendo tratado não como assunto de política, mas como assunto de polícia ou de organizações humanitárias:   O essencial, em todo caso, é que, toda vez que refugiados não representam mais casos individuais, mas, como acontece hoje mais e mais frequentemente, um fenômeno de massa, tanto estas organizações [ONU, Alto Comissariado para Refugiados - AD] quanto os Estados individuais, malgrado as solenes evocações dos direitos ‘sagrados e inalienáveis’ do homem, demonstraram-se absolutamente incapazes não só de resolver o problema, mas até de simplesmente encará-lo de modo adequado (Agamben, 2002a, p.

    Em um diálogo com o texto de Arendt sobre a condição dos novos refugiados, Agamben afirma que o refugiado, na medida em que dissolve o vínculo entre estado-nação-território, deveria ser considerado como a “figura central de nossa história política”, isto é, como o paradigma de uma nova consciência histórica, tal como já o havia sugerido a própria Hannah Arendt, no texto “We, refugees”: “Os refugiados que foram expelidos de um país para outro representam a vanguarda de seu povo” (Arendt, 1978b, p. Para Agamben, o refugiado tem de ser pensado como uma “categoria-limite” e, enquanto tal seria a principal figura a partir da qual poderíamos entrever o esboço de uma “comunidade política por vir”, a partir de uma reconstrução da filosofia política que abandone o modo como os principais conceitos políticos têm sido pensados modernamente, isto é, o “homem e o cidadão com seus direitos, o povo soberano, o trabalhador” (Agamben, 2002b, p.

E aqui, no sentido proposto por Agamben, cabe frisar que Arendt menciona a noção de comunidade política, mas não o Estado-nação em sua forma tradicional. No ensaio “Zionism Reconsidered”, de 1944, Arendt já advertia, com extremo poder visionário, que apenas uma organização política federativa poderia trazer soluções profícuas para o estabelecimento político da comunidade judaica, criticando veementemente qualquer recurso à forma do “antigo estado nacional” e sua “soberania”. Arendt contrapunha à ideia da formação de um estado soberano judeu a ideia de uma “pátria” judia (Homeland), assentada na divisão federativa do poder com a comunidade palestina. A única solução política viável, ainda que complexa e de difícil realização, seria a formação de um “estado palestino binacional, ou uma Commonwealth Judaica, a partir de acordos com os árabes e outros povos mediterrâneos” (Arendt, 1978b, p.

Em um texto de maio de 1948, intitulado “To Save the Jewish Homeland”, ela reafirmou a necessidade da colaboração e participação política entre judeus e árabes em “conselhos municipais e rurais” (Arendt, 1978b, pp. Repensar o direito à luz da política democrática radical   Arendt procurou desenvolver uma fenomenologia da ação política e do espaço público visando desencobrir e trazer à luz suas determinações democráticas essenciais, recorrendo, para tanto, a uma análise fragmentária da constituição da experiência democrático-republicana originária, greco-romana, cujo núcleo se encontraria preservado, ainda que precariamente, na linguagem política do ocidente. Retornar a esse núcleo originário da experiência política ocidental não significava pretender repetir no presente um conjunto de acontecimentos pretéritos, mas visar, no passado, aquilo que nele é ainda novo, não tematizado, verdadeiro manancial de possibilidades políticas encobertas e não transmitidas pela filosofia política.

Eis como defino o projeto de reflexão político-filosófico de Hannah Arendt: uma descrição fenomenológica daquilo que a experiência política pode ser, a partir de uma análise de fragmentos das experiências políticas que inventaram a democracia e a república, tendo em vista compreender certas experiências políticas marginais do presente, as quais guardam consigo a memória das determinações da política democrático-radical originária. Nem saudosismo nostálgico, satisfeito em lamentar aquilo que ‘foi’ a política antiga; nem a arrogância teórica de pretender determinar, pela construção racional de modelos normativos jurídico-políticos, aquilo que a (boa) política ‘deve’ ser; antes, e por outro lado, a discussão daquilo que ‘é’ a política, à luz da descoberta, no passado, daquilo que ela ainda pode ser hoje e no futuro.

A liberdade como fenômeno político surgiu e se enraizou na polis grega democrática, caracterizando-se pelo fato de que naquele espaço público inexistiam governantes e governados, ou quaisquer relações fundadas no binômio mando-obediência, já que os cidadãos desfrutavam da condição da igualdade. Ao enfatizar que a polis organizava-se politicamente de modo a recusar as várias formas de governo definidas a partir da distinção entre governantes e governados, Arendt pretendeu demonstrar que o poder de governo, em relação ao qual ela admitia ser “particularmente tentador pensar o poder em termos de comando e obediência e, assim, equacionar poder e violência”, é, de fato, apenas “um dos casos especiais do poder” (Arendt, 1994b, p. Ou seja, ao desarmar a articulação tradicional entre poder, violência e governo Arendt buscou recuperar um conceito enfático e positivo do poder.

Para tanto, retrocedeu aquém das formas de governo já constituídas a fim de encontrar o espaço e o modo de ser originários, de onde brotam a política e o poder, os quais são fenômenos fundamentalmente distintos das manifestações da violência. A política e o poder surgem originariamente do “espaço da aparência” que vem a “a existir sempre que os homens se reúnem na modalidade do discurso e da ação” (Arendt, 1981, pp. Trata-se de um espaço que “precede toda e qualquer constituição formal da esfera pública e as várias formas de governo”, e cuja própria existência depende diretamente de que os homens permaneçam juntos e dispostos a agir e falar entre si, desaparecendo quando quer que eles se vejam isolados uns dos outros.

O poder é definido por Arendt como um “fim em si mesmo”, de sorte que a própria política é compreendida como uma tarefa infindável (Arendt, 1994b, p. Por outro lado, a definição do poder como meio para um fim determinado sempre levará à sua compreensão em termos da violência, a qual se pode ser facilmente controlada nos processos de fabricação, não o pode ser nas relações entre os homens. Entretanto, se o poder é definido como um fim em si mesmo em relação ao caráter instrumental da violência, isso não significa que Arendt não tenha especificado as condições nas quais ele pode ser legitimamente gerado e efetivado. O poder só se origina de maneira legítima na ação em concerto e num “ser-com discursivo” (Miteinander-Reden) (Arendt, 1993, p.

em que “a palavra e o ato não se divorciam”, em que “as palavras não são vazias e os atos não são brutais”, em suma, “quando as palavras não são usadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar novas relações e realidades” (Arendt, 1981, p. As leis e o direito circunscrevem cada novo começo trazido ao mundo por meio da ação, devendo assegurar um espaço de liberdade e movimento, ao mesmo tempo em que impõem limites à criatividade humana. Assim, os limites das leis positivas constituem a garantia de um mundo comum capaz de durar para além da fugaz duração individual de cada geração, absorvendo e alimentando a possibilidade da novidade.

Mas temos aqui apenas metade da história, pois Arendt também se inspira no entendimento da lei tal como estabelecido pela linhagem republicana, que vai dos romanos, passando por Maquiavel, até Montesquieu, para quem “‘o espírito das leis’(…) é o princípio pelo qual as pessoas que vivem num determinado sistema legal agem e são inspiradas a agir” (Arendt, 1973, p. Em outras palavras, Arendt pensa as leis e, em particular, a constituição, não apenas como elementos de estabilização da novidade continuamente trazida ao palco da esfera pública, à maneira grega, mas também como princípios de inspiração da ação humana, os quais propiciam o estabelecimento de novas relações entre os homens, à maneira romana. As leis, portanto, não são eternas e absolutas como os mandamentos divinos, nem possuem fundamentos transcendentes e inquestionáveis, capazes de superar a relatividade essencial do jogo político, mas constituem relações criadas por homens mortais para o trato de assuntos que são contingentes.

Por considerar que as leis não têm apenas um papel estabilizador das relações humanas, mas que elas, se estiverem em consonância com a experiência da política democrática-radical, devem inspirar novas ações coletivas,  autora enfatiza o caráter mais diretivo do que impositivo das leis, concebidas não tanto como instrumentos de coerção, mas, sobretudo, como “regras do jogo” às quais os cidadãos consentem a fim de poder participar da teia de relações inter-humanas que constitui o mundo público: “as sanções das leis (…) não são a sua essência e dirige-se contra aqueles cidadãos que, sem embargar o seu apoio, desejam abrir uma exceção para si mesmos” (Arendt, 1994a, p. Para Arendt;  O consentimento implica o reconhecimento de que nenhum homem pode agir sozinho, o reconhecimento de que os homens, se querem realizar algo no mundo, devem agir de comum acordo, o que seria trivial se não houvesse sempre alguns membros da comunidade determinados a desrespeitar o acordo e tentar, por arrogância ou desespero, agir sozinhos (Arendt, 1991, p.

trad. mod.   À primeira vista, essa argumentação em torno do acordo mútuo e do consentimento poderia dar a pensar que Arendt recorre, de maneira estrita, à figura do contrato da tradição do direito natural, como afirmou Habermas, sugerindo que ela encontraria as fontes últimas de legitimação do poder constituído na autoridade da tradição e não na práxis comunicativa de cidadãos capazes de chegar a um consenso racionalmente fundado (Habermas, 1977, pp. O consentimento às leis não depende nem de uma submissão involuntária e cega ao passado tradicional, de onde emergiu o poder atual, nem de um reconhecimento teórico e racional da validade do ordenamento legal vigente, mas do “desejo de jogar”, isto é, de participar ativamente da comunidade política a que se pertence.

Nesse sentido, Arendt pensa o consentimento “não no velho sentido da simples aquiescência, que distingue entre o domínio sobre sujeitos submissos e o domínio sobre sujeitos insubmissos, mas no sentido do apoio ativo e da participação contínua em todos os assuntos de interesse público” (Arendt, 1973, p. trad. mod. Para participar desse “jogo do mundo” é preciso obedecer às regras acordadas ou, então, tentar modificá-las por meio da ação coletiva. Pensar o direito sob a ótica da política democrática radical implica conceber a esfera jurídica como instância de estabilização e criação de novas relações entre os homens, mas, também, como possível artifício de controle e domesticação normalizadora da produtividade da ação política genuína.

CONSIDERAÇÕES FINAIS  As contribuições arendtianas para os debates jurídicos contemporâneos estão marcadas pela reflexão crítica a respeito dos limites do direito em face da crise política de nosso tempo. Nada mais distante do pensamento arendtiano do que conceber o direito, ou os direitos humanos, como a instância política única ou privilegiada para o exercício ativo da cidadania e para a compreensão da política em suas impossibilidades contemporâneas. Nada mais contrário ao pensamento político arendtiano do que considerar a política como fundada no direito, fazendo do direito, e dos direitos humanos em particular, a política par excellence. Neste trabalho, gostaria de argumentar que Hannah Arendt se posiciona à margem da recorrente subordinação contemporânea da política ao direito nos debates de teoria política, sem que tal recusa signifique desconsiderar a dimensão política do direito e sua importância decisiva na modernidade como fator de estabilização dos espaços relacionais da liberdade política.

Os interesses públicos de organização da vida comum, caracterizado pela ação política, dão lugar ao individualismo do bem – estar particular, ao puramente econômico, concretizado no ethos burguês. A política, então, passa a ser compreendida como uma mera função da sociedade, sendo destituída do seu honroso lugar outrora ocupado dentro da polis. A política, que era considerada a mais alta e digna ação do homem, passa a ser agora meio para sua expansão materialista. Assim, a liberdade se separa da política, pois aquela passa a existir no âmbito privado, ou seja, quanto mais o indivíduo se fecha na satisfação de suas próprias necessidades, mais livre será; e, o poder, que só poderia existir enquanto capacidade humana de agir em conjunto, a partir da discussão entre as “igualdades plurais”, cede lugar à violência da afirmação de liberdades individuais sobre outras, tidas como “mais fracas”, estabelecendo a seguinte equação: violência = poder.

É importante observar que, se no primeiro momento, o poder é originado pela discussão, comprometida com a polis, entre homens igualmente livres e plurais, o único recurso material para o mesmo, como aponta Arendt, é a convivência entre os mesmos13. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p.  Compreender: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. São Paulo: Perspectiva, 2009. p.  FRY, Karin A.  Compreender Hannah Arendt. Petrópolis, 2009. p. SOUZA, José Carlos Aguiar.  O projeto da modernidade: autonomia, secularização e novas perspectivas. Brasília: Líber Livro, 2005. p. ss.  ARENDT.  Da revolução, p.  Idem, p.  Idem, p.  ARENDT, citada por DUARTE, p. ORTEGA. Esvaziamento do político – reinvenção do espaço público. In: Para uma política da amizade – Arendt, Derrida, Foucault, p.  ARENDT. Rosa Luxemburgo – 1871-1919.

In: Homens em tempos sombrios, p.  BIGNOTTO. Humanismo cívico hoje. In: Pensar a república, p.  BENJAMIN. Erfahrung und Armut. In: Gesammelte Schriften, citado por HARDT e NEGRI.  Idem, p.

1100 R$ para obter acesso e baixar trabalho pronto

Apenas no StudyBank

Modelo original

Para download