LEI DE DROGAS: ASPECTOS LEGAIS E DISCUSSÕES CONSTITUCIONAIS SOBRE TRÁFICO E CONSUMO

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Direito

Documento 1

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx CAMPINA GRANDE – PB 2020 LEI DE DROGAS: ASPECTOS LEGAIS E DISCUSSÕES CONSTITUCIONAIS SOBRE TRÁFICO E CONSUMO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao programa de graduação da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, como requisito para obtenção do grau de Bacharel. Orientador: Prof. Dr. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Área de concentração: Direito Penal Aprovada em: ___/___/___. BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________ Prof. A metodologia empregada para a redação deste trabalho foi a pesquisa bibliográfica realizada em doutrinas, legislações e entendimentos jurisprudenciais que ajudam a esclarecer o tema em análise permitindo concluir que não existem motivos que fundamentem a permanência do crime de consumo de drogas embora este ainda persista mesmo na legislação mais atual. Por esta razão, é importante discutir os conceitos de descriminalização e de despenalização e como eles se aplicam nesse contexto de mudança, além da possibilidade do usuário ser encaminhado a tratamento médico e psicológico.

Palavras-chave: Tráfico. Porte para consumo. Lei de Drogas. Drug Law. Unconstitutionality. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 06 1 O TRÁFICO DE DROGAS 08 1. Conceitos e classificação 08 1. Usuários e Traficantes 11 2 ASPECTOS GERAIS DA LEI N. Da Inconstitucionalidade do Porte para Consumo (art. segundo o Supremo Tribunal Federal 34 CONCLUSÃO 40 REFERÊNCIAS 43 INTRODUÇÃO O tráfico de drogas é um fenômeno social antigo que surge a partir de ações individuais ou coletivas, com gravosas consequências sociais e institucionais em diversos aspectos. Uma série de valores negativos está associada ao tráfico e ao consumo de drogas, tais como desvio de caráter, desvio de personalidade de caráter delinquencial, frustração, inadaptação social, desejo de desrespeitar a ordem social, necessidade de aceitação em certos círculos do submundo, rebelião contra valores sociais, distúrbio psicopatológico pré-existente, etc.

À droga se atribui a capacidade de desestruturação da ordem social. Com isso, imputa-se àqueles que a produzem, comercializam, transportam ou consomem a possibilidade de estar agindo contra a sociedade. Isso causou certo desconforto jurídico entre as cortes que só foi solucionado com a entrada do Senado Federal no impasse, através da resolução 05 de 2012 que acompanhou o entendimento do Supremo, declarando inconstitucionalidade da vedação da substituição das penas. Para tanto, justifica-se, este estudo, pela importância de aprofundar o entendimento acerca da procedência de inconstitucionalidade da vedação à substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos nos crimes de tráfico de drogas e equiparados. Levando-se em conta o princípio constitucional da individualização da pena e o espírito da Lei de Drogas em estudo pela não prisão nos crimes de pequena potencialidade e cometidos sem grave ameaça.

A metodologia empregada para a redação deste trabalho foi a pesquisa bibliográfica realizada em doutrinas, legislações e entendimentos jurisprudenciais que ajudam a esclarecer o tema em análise. O TRÁFICO DE DROGAS Este capítulo fornece uma visão geral sobre o tráfico de drogas, apresentando conceitos, classificação bem como o posicionamento da doutrina sobre a distinção entre usuários e traficantes. Entende-se como droga, qualquer substância que seja capaz de modificar as funções dos organismos vivos, fisiológicas ou comportamentais. Já o termo ilícito aparece como tudo que seja proibido por lei. Portanto drogas ilícitas são substâncias obtidas de maneira ilegal, onde seu consumo é proibido do ponto de vista da Medicina, por causar prejuízos e do ponto de vista da Justiça, por tratar-se de uma contravenção social6.

Didaticamente, consoante Coelho7, as drogas podem ser assim classificadas: drogas estimulantes do SNC; drogas depressoras das atividades do SNC; e drogas modificadoras ou perturbadoras do SNC. Drogas estimulantes do SNC: classe de substâncias que levam a um aumento do estado de insônia, alerta e aceleração dos processos psíquicos provocando um estado alterado da consciência, que se caracteriza por um estado de excitação e euforia. É o que acontece, por exemplo, com os usuários de LSD e maconha. Não obstante ser um problema não apenas criminal, mas também de saúde pública, desde quando a Lei de Drogas entrou em vigor, o tráfico de drogas começou a responder por cerca de 32,6% dos crimes ocorridos no Brasil, ou seja, um a cada três presos responde atualmente pelo tráfico de drogas e muitos deles são presos provisórios9.

Esses números não deixam dúvidas de que a atitude predominante repressiva do Estado levou ao maior encarceramento de pessoas pela venda ilícita de entorpecentes. Nesse trilhar, citam-se alguns dados acerca das prisões por tráfico de drogas por estado federativo: Paraná (59,3%); Santa Catarina (42,0%); Mato Grosso do Sul (39%); Espírito Santo (38,5%); São Paulo (35,8%); Rio Grande do Sul (28,8%); Roraima (28,5%); Pará (28%); Ceará (26,7%); Sergipe (26,3%); Mato Grosso (26%); Minas Gerais (25,9%); Acre (25,3%); Goiás (24,5%); Amazonas (23,2%); Rio Grande do Norte (23%); Tocantins (23%); Maranhão (22%); Distrito Federal (20,7%); Amapá (18,6%); Rondônia (18,4%); Paraíba (15%)10. Essa pesquisa não computou o número de presos nos estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco, Piauí e Rio de Janeiro, tendo em vista que os governos destes estados não divulgam os números. Gilberto Thums e Vilmar Pacheco13 referem que a quantidade seria apenas um parâmetro, devendo ser associado a outros para alcançar a definição do elemento subjetivo da conduta do agente.

Segue igual à legislação anterior, uma vez que a distinção entre traficância e consumo próprio é a destinação da droga. Ocorre, consoante os autores em comento, que o legislador estabeleceu os critérios avaliativos da conduta do usuário e não do traficante, “[. o que pode autorizar os afoitos à conclusão de que, se não ficou provado que a droga se destinava para consumo, então a conduta será tráfico. Não é bem assim”14. Não sendo a hipótese, segue-se o procedimento para as condutas de tráfico; todavia o juiz poderá desclassificar esta conduta para a de usuário”16. Arruda17 alerta para o fato de que não existe fórmula mágica ou critério decisivo para enquadramento das condutas atinentes à tipificação do consumo indevido ou do tráfico.

Será à luz do caso concreto, e contra-balanceando sensivelmente cada um dos critérios, que se solucionam os casos nebulosos. Importante ressaltar que a distinção possui primacial importância, pois que as consequências previstas às infrações divergem demais. Arruda18, com o escopo de aclarar os critérios distintivos, analisa cada um deles conforme explicação que segue. Isto porque, conforme segue o autor, não se mostra adequado considerar os antecedentes ou a conduta social do autor como elementos dotados de idoneidade para verificar se um ou outro delito ocorreu. Justamente, acerca dos antecedentes como critério distintivo entre uso de drogas para consumo próprio e tráfico, Bizzoto e Rodrigues22 mencionam se tratar de uma censura ao modo de ser. Isto porque, segundo os referidos autores, tal critério tem apoio em fundamentos do Direito Penal do Autor, de viés autoritário e incompatível com a dignidade da pessoa humana e com o princípio da culpabilidade.

Assim, mesmo que se explore o critério dos antecedentes, apenas se houver condenação penal irrecorrível dos fatos vinculados ao tráfico de drogas é que os antecedentes poderiam servir de indicador contrário ao consumo e, ainda assim, desde que presente coerência com os demais elementos informativos colhidos. A jurisprudência tem papel fundamental na definição dos critérios determinantes para distinguir usuário e traficante de drogas. Analisando as duas situações exemplificativas, e diante do dominante pensamento nos Tribunais, provavelmente o jovem citado no primeiro exemplo, em face das condições pessoais e sociais, bem como da natureza e quantidade de droga apreendida, será enquadrado no caput do art. usuário, portanto. Quanto ao segundo exemplo, em face das mesmas circunstâncias, possivelmente o jovem será enquadrado na conduta descrita no art.

tráfico, portanto. Situações como as acima descritas ocorrem todos os dias, e como se viu, fica tudo nas mãos do juiz, que deve decidir com base nos critérios que a lei expõe. Uma das principais mudanças é a retirada da pena de prisão para o usuário, ou seja, aquele que detém a droga para fins de consumo pessoal. E aumentada a pena para 05 anos, preservando a pena máxima em 15 anos para os que forem enquadrados como traficantes. O art. da Lei n. Antes do advento da Lei de Drogas, o consumo de drogas era punido com pena de prisão (art. Faz saber que o objeto jurídico desse delito não é o viciado, mas, sim a saúde pública. Da aplicação do princípio da insignificância Consoante o que foi dito nas linhas acima, questão que é intrínseca à compreensão dos crimes de perigo abstrato como sendo representados na ofensa de cuidado-de-perigo é a possibilidade de aplicar o princípio da insignificância para o crime esculpido no art.

caput da Lei de Drogas, não obstante a posição das cortes brasileiras trilharem na direção oposta à aplicação do aludido princípio. Sendo assim, passa-se à abordagem da possibilidade de o princípio da insignificância ser aplicado, não sem antes contextualizar a noção fundamental que sustenta tal princípio. O princípio da insignificância guarda correspondência com o brocardo latino minima non cura praeter, formulado por Roxin30, em 1964. A tipicidade, nesse sentido, não se esgotaria no juízo lógico-formal de subsunção do fato ao tipo legal de crime, mas, para além desta adequação necessária (requisito formal da tipicidade), a conduta concreta em análise deve produzir efetiva ofensa (ou perigo concreto) ao bem jurídico (requisito material da tipicidade).

Resultariam atípicas, portanto, todas as condutas com baixo grau de (in)incidência do tipo [. A quantidade inexpressiva de substância entorpecente não teria a potencialidade de produzir dependência física e/ou psíquica (elementar formal) ou de ofender o bem jurídico saúde pública tutelado na Lei de Drogas (elemento material)36. Como decisão paradigmática, do final da década de 1990, o STJ, em sede de Recurso Especial, apontou que: O crime, além da conduta, reclama resultado no sentido de provocar dano, ou perigo ao bem jurídico. O tráfico e o uso de entorpecentes são definidos como delitos porque acarretam, pelo menos, perigo para a sociedade, ou ao usuário. O simples consumo de drogas ilícitas pode ser entendido por muitas pessoas, inclusive pelos usuários, como um problema pessoal, no entanto o simples ato de usar droga movimenta um enorme comércio que coloca em risco a sociedade como um todo.

Segundo Coelho42, o comércio de drogas movimenta um ciclo, onde o usuário compra a droga de um traficante que, para preservar seu negócio não raro faz uso de meios violentos, muitas vezes matando, roubando, além de diversos outros crimes que decorrem deste ciclo, gerando insegurança na sociedade que clama por medidas estatais efetivas. O Estado deve agir para evitar a ocorrência desses crimes, no entanto, age usando a mesma ferramenta, a violência, o que resulta em um ciclo vicioso, sem fim, em que é a sociedade quem sempre perde. Estudiosos têm pesquisado o impacto do consumo de drogas ilícitas na ocorrência de crimes diversos, especialmente os crimes contra a vida e contra a propriedade. Existe uma relação complexa entre o consumo de drogas e a criminalidade.

Os que defendem a liberalização das drogas defendem que a descriminalização faria cessar o tráfico e, consequentemente, os problemas dele advindos. É o que será discutido a seguir. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. Proteção à saúde pública versus proteção à saúde individual O bem jurídico-penal se consubstancia na pedra angular do Direito Penal, isto é, a “[. manifestação de um interesse ou valor pessoal ou comunitário ou ainda como interesse ou valor cristalizado para manutenção de uma realidade comunitariamente relevante”46. Ainda, vale destacar que os bens jurídicos podem ser disponíveis ou indisponíveis. Em se entendendo a saúde pública como sendo o objeto de proteção jurídico-normativo do ilícito-típico do art. caput da Lei de Drogas, importa referir que seu titular imediato seria a coletividade, “[.

que se traduz titular por excelência de bens jurídicos supraindividuais coletivos como a saúde pública”47. Recordadas as noções fundamentais referentes ao bem jurídico-penal, importa enfrentar a seguinte questão: o ilícito-típico do art. Assim, não seria legítima a criação de tipos à proteção de bens jurídicos, sendo estes explicados por conceitos baseados nos quais não se mostra possível pensar nada de concreto. Como exemplo, Roxin53 elenca o posicionamento da jurisprudência e legislador alemães, que postulam como bem jurídico protegido, o qual “deve legitimar a penalização de qualquer trato com drogas, a ‘saúde pública’”. Para Roxin54, como o “público” não possui um corpo real, não se faz possível que algo como a “saúde pública”, no literal sentido da palavra, exista.

Destarte, não se pode, contudo, fundamentar uma proibição penal com base na necessidade de proteger um bem jurídico fictício. Roxin55 refere, que na verdade, só se poderia estar se referindo à saúde de diversos indivíduos integrantes de uma comunidade. Ademais, a atual política de drogas, apesar de descriminalizar o usuário, aquele que é pego com uma pequena quantidade de drogas para consumo próprio, não define qual quantidade pode ser considerada como pequena. O que ocorre em grande parte das vezes é que usuários que são surpreendidos, por exemplo, com um volume de drogas que seria suficiente para seu consumo por uma semana, já podem ser considerados traficantes, por ser subjetivo o critério para definir esta quantidade. A realidade mostra que é difícil distinguir se a conduta típica configura porte vislumbrando o consumo pessoal ou tráfico de reduzida quantidade de droga.

Isto porque normalmente as quadrilhas do tráfico, a exemplo das que operam nas favelas comercializam a droga em pequenas porções. São os chamados “papelotes” de cocaína; os “baseados” de maconha; as “pedras” de craque; as pílulas de ecstasy e para operacionalizar este comércio se valem dos préstimos de pequenos traficantes que também são consumidores. Os grandes traficantes integram verdadeiras redes de crime organizado e mesmo que algum dos chefes seja capturado, a estrutura organizada permite que a atividade criminosa tenha continuidade. Por este motivo, é cada vez maior o número de pessoas que se posiciona favoravelmente à descriminalização das drogas. No Brasil discute-se atualmente a possibilidade de descriminalização do consumo da maconha, no entanto, este ainda é um assunto muito complexo, pois, inclusive o art.

da Lei de Drogas que criminaliza o consumo drogas não está de acordo com o inciso 10 do artigo 5º da CF/1988, que prevê a proteção à privacidade e à intimidade do indivíduo. Ou seja, a pressão ao usuário é questão constitucional, pois a Constituição brasileira tem como princípio basilar a dignidade humana e, por esta razão, afasta a possibilidade de criminalizar qualquer comportamento que não implique em risco a bens jurídicos, mesmo que isso traga danos saúde, integridade física ou à própria vida do agente. Por esta razão, que em relação à maconha e nesse tópico, penso que o debate público sobre descriminalização é menos discutir opção filosófica e mais se fazer uma escolha pragmática64.   Já José Muiños Piñeiro Filho, desembargador da 2ª Câmara Criminal do TJRJ propõe que a descriminalização do plantio e porte para consumo próprio possa conduzir a avanços como o fim da pena de prisão para com o usuário e não inibi-lo da atuação da saúde pública.

  Também, os cientistas brasileiros estão saindo de seus laboratórios para discutir a legalização da maconha com fins de uso medicinal. Em 2010, Sidarta Ribeiro, estudioso de sono e sonho, PhD pela Universidade Duke e chefe de laboratório no Instituto Internacional de Neurociências de Natal se mostrou favorável à legalização da maconha no Brasil. Segundo ele: O mal causado pela maconha é menor do que o provocado pela proibição, que só impulsiona o tráfico. Em assim sendo, passa-se ao estudo do consumo de drogas enquanto uma autocolocação em perigo, sendo a autolesão um direito fundamental à liberdade de ação. Nestler68 escreve que o consumo de drogas, como qualquer outra atividade de autocolocação em perigo, constitui uma forma de exercício da liberdade protegida como direito fundamental.

Assevera o referido autor alemão que as medidas coativas de duração prolongada (assim a pena), como proteção dos homens contra si mesmos, somente são legítimas onde falta a capacidade para um exercício responsável da liberdade enquanto direito fundamental. Para tanto, acentua que o impedimento das autocolocações em perigo de terceiros consistentes no consumo destes terceiros é, por conseguinte, uma finalidade da pena de caráter ilegítimo e não constitui colocação em perigo algum de bens jurídicos alheios, pois que o consumo é uma conduta que, enquanto exercício de um direito fundamental, não cai dentro do âmbito de proteção penal. Da mesma forma que o possuidor da droga não pode ser castigado pelo fato de consumi-la, por ser tal conduta expressão de sua liberdade de ação, tampouco pode ser pelo fato de que possa chegar a subministrar a outro.

Por sua vez, Fernando José da Costa74 defende que “O mero consumo, além de trazer danos ao consumidor traz, no mínimo, perigo de dano à sociedade num todo, como em seu convívio social, profissional, familiar, etc. Em que pese o posicionamento registrado acima, não é possível concordar com tal conclusão. Senão veja-se. Como escrevem Callegari e Wedy75, não vale dizer que a punição do usuário serviria à própria proteção, com o objetivo de que futuramente ele não pratique delitos, pois estar-se-ia diante de uma “fragorosa violação da presunção de inocência (art. º, inc. da Lei de Drogas O § 4º do art. da Lei de Drogas prevê uma causa de diminuição de pena, que incide na 3ª fase da dosimetria da pena e pode conduzir a pena a abaixo do mínimo legal.

Trata-se da figura que a doutrina e jurisprudência convencionaram chamar de tráfico privilegiado, que se destina ao traficante eventual, e não ao profissional. O legislador procurou diferenciar a pessoa que eventualmente pratica o tráfico de drogas daquela pessoa que o pratica de forma reiterada, fazendo dessa atividade ilícita o seu meio de vida. Para essa pessoa, que eventualmente praticou o tráfico de drogas, o legislador permitiu a incidência dessa causa de diminuição de pena, desde que o agente não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa, devendo, ainda, ser primário e ter bons antecedentes. Isso porque, conforme alhures, a quantidade de droga já é considerada no momento da fixação da pena-base e caso seja novamente considerado, haveria bis in idem, situação vedada em nosso ordenamento jurídico.

Todavia, se na situação fática constata-se a existência de duas circunstâncias preponderantes previstas no art. da Lei de Drogas, torna-se possível e razoável admitir que uma dessas circunstâncias (grande quantidade de drogas), seja valorada quando da fixação da pena-base, para elevá-la acima do mínimo legal, e a outra (elevado grau de lesividade), considerada no momento de se determinar o quantum de diminuição, aplicando-se menor fração81. Por fim, o tráfico privilegiado não é crime equiparado a hediondo, conforme entendimento do STF e do STJ, por haver incompatibilidade entre o tratamento diferenciado conferido pelo legislador ao traficante eventual e a natureza hedionda do delito. Ao se reconhecer um menor juízo de reprovação pessoal, pois se admite redução da pena, aceita-se que o agente merece receber tratamento distinto daqueles sobre os quais recaia alto juízo de censura e de punição pelo tráfico de drogas82.

No tocante à proibição de concessão de fiança, a jurisprudência já se consolidou no sentido de que toda e qualquer prisão provisória somente deve ser decretada ou mantida se for comprovadamente necessária, sem olvidar, do seu caráter de excepcionalidade. O entendimento a respeito do tema considera que não se deve manter a prisão do flagranteado, de forma automática, apenas porque a lei proíbe a fiança abstratamente. Em qualquer hipótese, é preciso que reste demonstrada a necessidade da prisão, cuja decisão deve fundamentar-se nos requisitos da prisão preventiva elencados no art. do CPP. Portanto, entende-se cabível a fiança no crime de tráfico de drogas. Cabe ao magistrado, em sendo a pena fixada no patamar de até 4 anos de reclusão, convertê-la em restritivas de direitos, se esta afigurar-se como razoável.

Quanto a previsão detida no § único, a lei em comento estabeleceu a necessidade do cumprimento do lapso de 2/3 da pena, para a concessão do livramento condicional, vedando, contudo, sua concessão ao reincidente específico (aquele que foi condenado e com sentença transitada em julgado, por um dos delitos contidos nos arts. caput, e § 1º, e 34 a 37 da Lei de Drogas, e depois incorre na prática de novo crime descrito nos mesmos dispositivos legais). Tal previsão, deve prevalecer em relação ao art. do Código Penal, não podendo o juiz aqui conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, mesmo que preenchidos os requisitos trazidos naquele texto. Conforme a doutrina de Carvalho86, haveria ofensa ao princípio da igualdade no momento em que se estabelece distinção de tratamento penal (drogas ilícitas) e não-penal (drogas lícitas) para os usuários de diversas substâncias, uma vez que ambas têm potencialidade para determinar dependência física ou psíquica, o que faz da opção criminalizadora essencialmente moral.

Neste interim, a tese da inconstitucionalidade ganha mais força ao se tratar dos princípios de tutela da intimidade e vida privada, pois que nenhuma norma penal criminalizadora se mostra legítima ao intervir em escolhas pessoais ou se impuser padrões comportamentais que reforcem concepções morais. Como bem refere Karam: A imposição a consumidores de drogas tornadas ilícitas de penas explícitas ou disfarçadas em sanções administrativas ou em tratamentos médicos, revelando a concepção que os estigmatiza na alternativa de que “se é enfermo, não é livre; se é livre, é mau”, sempre estará a re-velar uma desautorizada intervenção do Estado em suas vidas privadas. Condutas desta natureza dizem respeito tão somente às escolhas pessoais, ao campo em que a liberdade do indivíduo é absoluta, não podendo ser objeto de qualquer intervenção estatal em um Estado de direito democrático87.

Seguindo o entendimento até aqui esboçado, Reghelin88 afirma que a tentativa de suicídio e a autolesão não são condutas puníveis, sendo que, além disso, o consumo do álcool é regulamentado no país, na medida em que são previstas condutas criminosas para quem se embriaga e comete delitos, mormente quanto àqueles previstos no Código de Trânsito. O ministro relator, Gilmar Mendes, votou no sentido da inconstitucionalidade do art. da Lei de Drogas, afirmando, para tanto, que “[. a criminalização da posse de drogas ‘para consumo pessoal’ afeta o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, em suas diversas manifestações”90. Ainda, expôs que: Nossa Constituição consagra a dignidade da pessoa humana e o direito à privacidade, à intimidade, à honra e à imagem. Deles pode-se extrair o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação.

As razões jurídicas que justificam e legitimam a descriminalização são (i) o direito à privacidade, (ii) a autonomia individual, e (iii) a desproporcionalidade da punição de conduta que não afeta a esfera jurídica de terceiros, nem é meio idôneo para promover a saúde pública. Independentemente de qualquer juízo que se faça acerca da constitucionalidade da criminalização, impõe-se a determinação de um parâmetro objetivo capaz de distinguir consumo pessoal e tráfico de drogas. A ausência de critério dessa natureza produz um efeito discriminatório, na medida em que, na prática, ricos são tratados como usuários e pobres como traficantes93. O Ministro Luiz Roberto Barroso defende ainda a inconstitucionalidade do Art. seguindo os pensamentos do Relator o Ministro Gilmar Mendes e concatena entendimento com o ministro Edison Fachin, também seguindo a linha de descriminalização da Canabis Sativa (Maconha) no ato do consumo próprio, seguindo pensamentos de escolas Europeias, e especificando esse entendimento apenas para o consumo da Canabis Sativa.

III do art. do RISTF, [. acompanhar os efeitos da deliberação deste Tribunal neste caso, especialmente em relação à diferenciação entre usuário e traficante, e à necessária regulamentação, bem como auscultar instituições, estudiosos, pesquisadores, cientistas, médicos, psiquiatras, psicólogos, comunidades terapêuticas, representantes de órgãos governamentais, membros de comunidades tradicionais, entidades de todas as crenças, entre outros, e apresentar relato na forma de subsídio e sistematização94. O Ministro Edison Fachin defende, ainda, a inconstitucionalidade do Art. pois, o mesmo tem uma visão de que deveriam ser padronizadas pelos legisladores uma quantidade especifica para se diferenciar o usuário do traficante, sendo assim, entendi o Ministro que as escolhas pessoais não sejam desrespeitados pelo Estado não podendo ofender bens jurídicos alheios.

Portanto, a partir dos dados colacionados nos votos dos ministros Mendes, Fachin e Barroso, pode-se concluir que a intervenção na liberdade individual é exagerada em relação à suposta proteção do bem jurídico. Além disso, foi elencado o altíssimo custo da atividade estatal e o extravagante índice de encarceramentos não conseguirem atingir uma diminuição do consumo, que poderiam ser auxiliados por meios terapêuticos diversos da justiça criminal95. Diante do que foi esposado, ao que tudo indica, a solução acerca da legitimidade da incriminação do uso de drogas para consumo pessoal está fadada à inconstitucionalidade por todos os motivos e razões supramencionados. CONCLUSÃO Entende-se que o combate internacional ao tráfico de drogas traz para o Brasil uma responsabilidade que transcende a garantia de segurança e tratamento médico para seus cidadãos.

Na verdade, há um comprometimento com a guerra às drogas que impõe a diversos Estados Soberanos que, seja por sua condição periférica seja por ser classificado como país produtor ou de trânsito, são vistos como os maiores responsáveis pelos prejuízos causados por meio da atuação das organizações criminosas atuantes em escala mundial. Alerta-se que a ênfase desmedida ao poder simbólico de prevenção geral pode desvirtuar a finalidade da norma jurídica penal e comprometer sua respectiva aplicação no mundo dos fatos. Sinteticamente, se é imprescindível reconhecer o papel inibidor provocado nos ânimos pessoais diante da proibição legal, deve-se lembrar que o aparato penal não está preparado para tornar efetivas todas as medidas repressivas dispostas nos textos normativos.

Ainda, existe outro inconveniente gerado pela adstrição ao plano simbólico: os bens jurídicos coletivos fictícios, como a saúde pública nos crimes previstos na Lei de Drogas. Na linha do raciocínio desenvolvida no trabalho, a faceta preventiva do Direito penal pode servir para a ocultação de falsos interesses coletivos. Nesse viés, a desconstrução do conceito de bem jurídico coletivo opera a favor da racionalidade e da segurança jurídica, afinal, o grau de legitimidade da intervenção penal está diretamente ligado às justificações das finalidades normativas. Legislação Penal Especial. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. ARRUDA, Samuel Miranda. Rio de Janeiro: Forense, 2005 BRASIL. Lei nº 11. de 23 de agosto de 2006. Disponível em: http://www. planalto. Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF, 20 ago.

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