A LITERATURA ENQUANTO RETRATO DA REALIDADE NORDESTINA

Entende-se a literatura como um reflexo de seu tempo, se cria e se pensa um texto ficcional, que está enraizado de perspectivas realistas, que constituem de maneira direta ou indireta uma análise de um determinado local, região e povo, enfatizando características culturais, e abordando assuntos típicos de regiões específicas. Por exemplo, a questão da seca no Nordeste, que é uma temática corriqueira da literatura nordestina e que será também destacada constantemente no texto, afim, justamente para fazermos essa relativização entre o texto literário com a perspectiva histórica. PALAVRAS – CHAVES: Cultura; Literatura; Nordestina, Seca. INTRODUÇÃO A pesquisa tem fortes pretensões, ao tratar o texto literário como fonte e guia norteador de todo nosso pensamento, estruturaremos uma visão histórica, que tem o texto literário e ficcional, como suporte teórico e metodológico.

Entende-se que historicizar a literatura não será uma tarefa fácil, mas é algo extremamente plausível e viável. Busca-se, contextualizar essa temática aos olhos dos textos literários. A SECA O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO E O PROGRESSO É sabido que o Nordeste em diversos momentos da sua história e até nos dias atuais, sofre constantemente com estiagens. Esse problema crônico se materializou em alguma de nossas obras estudadas, personificando e construindo um imaginário idealizado, tanto para o Nordeste, quanto para o nordestino. Existe documentado registro de secas até no século XVII, e talvez até mesmo antes desse período é constante os períodos de estiagem fortíssima, que acaba literalmente, com o território nordestino. Analisa-se a seca de uma maneira verticalizada, ou seja, não é observado apenas pelo olhar do sofrimento e da pura e única falta de chuva.

Todos os textos que embasa a pesquisa, fazem algum tipo de menção a seca, seja ela de maneira simplória, ou de maneira visceral, como é o caso do O Quinze. A seca sempre foi vista de uma maneira, negativa e até de uma forma imaginativa e mítica. A estiagem para o nordestino não é apenas falta de chuva, na verdade e sinônimo de desgraça e cataclismo. A multiplicidade de sentimentos causadas, nos tempos de secas, geravam um estigma e uma cristalização do pensamento, que se replicavam dentro do imaginário do sertanejo, a figura, mais atingida pela seca. Quando a seca assola com violência, não há salvação ou foge-se para longe, ou busca reunir as forças que não têm, teimando em resistir a seca, os primeiros a serem expulsos de suas terras, pela seca, são os bichos, a ordem é clara, se não tem chuva, não tem esperança nem de poder sobreviver em tempos difíceis, imagine sustentar as cabeças de gado, ou vendem se acharem compradores, ou deixam livres.

As famílias abandonavam seus lares em busca de sobrevivência e um dos locais que buscavam, eram esses campos, pois lá, dizia-se que o governo fornecia alimento, moradia e emprego. “Agente viúva. Sem homem que me sustentasse. Diziam que aqui o governo andava dando comida aos pobres. Vim experimentar. Algumas características em relação aos Campos e Concentração devem ser destacadas, pois, sabe-se através da História, que nada é natural e tudo parte de um processo, então a sedimentação dos campos deve ser pensada dentro de um contexto pulverizado. A primeira observação feita, é em relação aos locais dos campos. Compreende-se que os principais atingidos pela seca, são os sertanejos que viviam no interior do sertão nordestino, muitos vivendo da pura economia de subsistência, ou seja, consumiam aquilo plantavam e vendiam ou trocavam, também aquilo que colhiam.

Com a seca, essa prática se tornou inviável, causando uma evasão constante. Nesse sentido, o governo inseriu os campos em pontos “estratégicos” espalhado em todo território cearense, cidades interioranas, como Ipu e Sobral, já receberam esse tipo de iniciativa governamental. Magotes de crianças nuas, de hedionda magreza de esqueleto, de grandes ventres, obesos e lustrosos como grandes cabaças, lançavam olhares, terríveis de avidez, sobre pilhas de rapaduras, grandes medidas de quarta, desbordantes de farinha e feijão, pencas de bananas, rimas de beijus, alvíssimas tapiocas, montes de laranja pequeninhas e vermelhas, colhidas na véspera, nos pomares murchos de Meruoca. Os míseros pequenos, estatelados ao tantálico suplício da contemplação dessas gulodices, atiravam-se às cascas de frutas lançadas ao chão, e se enovelavam, na disputa desses resíduos misturados com terra, em ferozes pugilatos.

Era indispensável ativa vigilância para não serem assaltadas e devoradas as provisões à venda, pela horda de meninos, que não falavam; não sabiam mais chorar, nem sorrir, e cujos rostos, polvilhados de descamações cinzentas, sem músculos, tinham a imobilidade de couro curtido. Pensar e apresentar os diversos percalços apresentados, pela seca é uma tentativa nossa, de análise e compressão, sobre a situação dos campos e dos flagelados. Essa foi uma temática constante nos textos literários, sendo assim, repassar esse pensamento, faz com que imaginemos um fato histórico e suas verticalidades, que no caso é a seca, através da literatura, o ficcional se confundindo com a realidade. Dentro desse bojo, pode-se afirmar que a região Nordeste é configurada como uma das mais pobres do Brasil.

Sendo assim, não é de se estranhar o grande índice de evasão dessa região em busca de outras, preferencialmente o Sul do país. No âmago dessa discussão, fica evidente, que o Nordeste viveu em diversos momentos de sua história um forte movimento de emigração, exportando para todas as outras regiões do Brasil seus “braços e forças”, em busca do “porrão”, melhor de se sobreviver. Junto a essas indagações, surge um fator que faz com que os nordestinos arrumem as malas e busquem uma melhor vida em outro lugar, longe de seus lares; a seca. Sem dúvidas que a miséria e a moléstia social sentida por todo nordestino é maximizado e reverberada de uma forma tão violenta em épocas de seca, que a fuga é a melhor saída.

Em tão aflitiva conjunção, era natural que os retirantes, por instinto de conservação, procurassem o litoral, e abandonassem o sertão querido, onde nada mais tinham que perder; onde já não podiam ganhar a vida, porque à miséria precedera o fatal cortejo de moléstias infecciosas, competindo com a fome e a sede na terrível faina de destruição. Dentro da seca, as coisas se replicam de uma forma bastante significativa. Dentro de um contexto social, miserável onde não se pode plantar e nem se arranja trabalho, a busca por uma nova vida em outro lugar tornou-se uma obsessão, um sonho idealizado, construiu-se essa ideia no imaginário do nordestino, tanto por eles mesmos, como pelos jornais de época que evidenciavam uma outra vida, fora do chão do sertão rachado pela seca e o sol escaldante.

Chico Bento no desespero causado pela seca diz. Agora, ao Chico Bento, como único recurso, só restava arribar. O vaqueiro levantou os olhos, e concordou, pausadamente: - É. Pode ser. Boto tudo nas suas mãos, minha comadre. O que eu quero é arribar. Pro Norte ou pro Sul. Cansado de resistir e lutar, aguardando, em vão, sinais de inverno, viu-se, afinal, só, sem um amigo, um companheiro, um vizinho, numa redondeza de dez léguas, exposto aos assaltos de bandidos, que enchiam a região, e resolveu emigrar. O texto de Graciliano Ramos, também faz menção à uma família de retirantes, que abandonaram seu lar em busca de uma vida digna. A viagem era planejada e feita, na intenção de deixar tudo para traz, essa talvez seja uma das características, mais, agoniantes relacionadas aos retirantes, pois essa viagem de fuga da miséria, era uma incerteza constante, pois não se sabia se iriam atingir seus objetivos, e em muitos dos casos, não tinham como mais voltarem para suas casas, causando uma situação triste, típica e exclusiva dos retirantes.

A vida na fazenda se tornara difícil. Sinha Vitoria benzia-se tremendo, manejava o rosário, mexia os beiços rezando rezas desesperadas. Todos eles, são ficcionais, mas o retirante que eles mostram são reais, um complexo vivido em tempos obscurecidos pela seca, no sertão nordestino. Essa interpretação é de suma importância, para identificar esse sujeito social e histórico, relativizado nesse momento de nossa pesquisa. FAMÍLIA, GÊNERO E COSTUMES Que tipo de família circundava os interiores no sertão nordestino, findando o século oitocentista e que tipo de estratificação e personificação, existiam dentro dos lares nordestino nesse momento? Relativizar essas questões culturais que rodeavam as famílias sertanejas pode ser vista e pensada através dos textos literários.

A família nordestina estava em volta de um contexto extremamente paternalista e patriarcal, a principal ideia desse tipo de família era o núcleo familiar, que estava personificado totalmente atrelada ao “homem da casa”. Definir o conceito de patriarcal é extremamente difícil e escorregadio, mas deve-se ser elencado algumas características nítidas, desse tipo de situação familiar. Esse talvez, tenha sido o maior motivo, para que as famílias do interior nordestino tenham sempre definidos suas vendetas dentro de suas próprias esferas. Os conflitos resolvidos através da violência poderiam ser justificados por vários argumentos. Um deles é bastante interessante, a família não era pensada como uma unidade separada que cada membro resolvia suas angústias a sua maneira, a honra da família do clã tinha que ser preservada a qualquer custo.

Todos os atos de cada pessoa refletiam de forma significativa em todo o sistema familiar. Assim, as vendetas são até hoje vistas com bastante atenção, pois elas representam e abarcam toda complexidade daquele momento. Mas, qual era o real papel da mulher, dentro de uma conjuntura familiar tão machista e estratificada, onde o homem era único que tinha realmente espaço dentro desse ambiente. A mulher era criada desde muito cedo, para ser a dona do lar, esse ideal se personificou em todas as famílias patriarcais, pois o papel feminino em casa, era cuidar e organizar o espaço família, ou seja, se o homem dava as ordens, dentro do lar quem organiza e mantinha a estrutura sem dúvidas eram as mulheres. Os filhos eram vistos como, mão de obra, eles serviam para gerir e sustentarem as diversas, tarefas do lar.

E as filhas, também sempre ajudavam no lar, principalmente na organização da casa, e eram criadas para seguir o caminho que os pais desejavam, o casamento era uma instituição profunda naquele momento, o Brasil da época tinha enraizado o catolicismo de uma maneira muito profunda e se casar era algo, quase que obrigatório, principalmente as filhas, as mulheres que não casavam eram mal vistas e sofriam certos preconceitos sociais. Havia a percepção, por parte dos homens de uma família, fosse o pai, fossem os irmãos, que de modo algum as filhas podiam ficar desprotegidas numa situação de celibato, (. Então, era comum famílias com um elevado número de pessoas dentro do lar. Nesse sentido, o agregado surge em múltiplos níveis, primeiramente pode ser um sobrinho ou primo de segundo grau, um parente distante, ocorria uma prática comum de adotar crianças abandonadas ou elas eram deixadas em casas mais abastas, Em épocas difíceis essa prática se maximizava, ilustrando esse pensamento vejamos; - Chico, a comadre Conceição, hoje, cansou de me pedir o Duquinha.

Ainda com um destino de criar uma criança. E se é de ficar com qualquer um, arranjado por aí, mais vale ficar com este, que é afilhado. E o que é que você disse? - Que por mim não tinha dúvida. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na pesquisa, analisou-se as possíveis oportunidades relativas a literatura, enquanto ferramenta histórica passível de ser utilizada por nós historiadores, para construção historiográfica. Utilizar os textos literários como fonte histórica, é algo um tanto que confuso e atípico, sabemos que é possível, mas não é nada convencional, tratar com textos ficcionais temas pertinentes a história, causa uma dualidade profunda sobre o olhar da temática, pois os textos literários trazem uma leveza única que, talvez só possam ser atingidas por eles mesmos.

Então, foi justamente essa leveza e simplicidade clássica da literatura, que procuramos representar em nossa pesquisa. Escolhemos especificamente quadro livros, considerados clássicos da literatura nordestina, com escritores consagrados que viveram e escrevem quase no mesmo momento, por isso, que definirmos o fim do século XIX e início do XX, como recorte temporal, pois ele será o espaço elencado por essa literatura. Representar diversas temáticas pertinentes ao Nordeste e o nordestino, foi nossa principal intenção, comungando com essa ideia exemplificamos temas múltiplos, que os textos literários trazem, afim de construirmos uma hermenêutica desses textos. Luzia-Homem. ª ed. ª reimpressão. Martin Claret. QUEIROZ, Raquel de. BACELLAR, Carlos. Fontes documentais: uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org. Fontes Históricas.

ed. FERREIRA, Antonio Celso. Literatura: A fonte fecunda. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (Org. O historiador e suas fontes. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. OLÍMPIO, Domingos. Luzia-Homem. ª ed. ª reimpressão. Rio de Janeiro: JOSÉ OLYMPIO, 2004. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2015. Remédio e médico: raízes e rezas: sobre higiene e tratamento de enfermidades no campo de concentração de Ipu. In: FARIAS FILHO, Antonio Vitorino; BARROS, Antonio Iramar Miranda (Org. Nas Trilhas do sertão: escritos de cultura e política nos interiores do Ceará. Volume 2, Sobral – CE: Sertão Cult, 2015. p.