Proteção à integridade psicológica da mulher no Direito Penal

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Direito

Documento 1

Aos meus irmãos, Davi e Gabriel, que são meu coração fora do corpo. Ao Leonardo, minha fonte de inspiração e garra e, principalmente, a Deus, por me ajudar a ter forças e não desistir no caminho. INSTITUTO SUPERIOR DO LITORAL DO PARANÁ – ISULPAR TERMO DE APROVAÇÃO PROTEÇÃO À INTEGRIDADE PSICOLÓGICA DA MULHER NO DIREITO PENAL: A DIFICULDADE JURÍDICA QUANDO AS RELAÇÕES DE GÊNERO VÃO ALÉM DO CONSTRANGIMENTO FÍSICO BEATRIZ ALEXANDRE DA SILVA Esse Trabalho de Conclusão de Curso foi aprovado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. A acadêmica foi arguida pela Banca Examinadora composta pelos professores abaixo assinados. Após deliberação, a Banca Examinadora considerou o trabalho aprovado.

Murilo Robassa, obrigada por todas as dicas trocadas: aguardo você em 2021! Bruna, deixamos as aparências de lado apenas no final da faculdade e me surpreendi com a amiga que você é, sempre pronta e disposta a qualquer coisa. Armando, obrigada por todas as palavras difíceis que me ensinou nesta jornada e por todos os trabalhos que realizamos no nosso rotineiro grupo. Em especial, à Fernanda, que me deu o melhor e mais precioso presente que eu poderia ter no meio do caminho e por me dar a certeza que Deus envia anjos da guarda para as nossas vidas. Ao Dorgam, por ter sido meu pai e meu amigo, ser humano de luz e amor que me ensinou e me doou tanto nesta jornada. Ao Lucas, irmão mais novo que a faculdade me presenteou, dono de um coração que não consigo mensurar o tamanho e que me sinto responsável pela proteção e cuidado: agora teremos que trilhar nossos próprios caminhos, mas com a certeza que sempre teremos uns aos outros.

Carmen Lúcia) RESUMO SILVA, Beatriz Alexandre Da. Proteção à integridade psicológica da mulher no direito penal: a dificuldade jurídica quando as relações de gênero vão além do constrangimento físico. Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado em Direito – Instituto Superior do Litoral do Paraná – ISULPAR. Paranaguá. O presente Trabalho de Conclusão de Curso, traz o conceito de violência psicológica, enunciado no artigo 7º, inciso II, da Lei n. A construção da caracterização de violência contra a mulher: destinatários, conceitos e formas de violência. O PARADIGMA PSICOLÓGICO NA LEI MARIA DA PENHA. Violência psicológica no âmbito doméstico: interpretação do artigo 7º, inciso II e suas consequências. A prevenção e a proteção social às mulheres em situação de violência doméstica psicológica.

INDISPENSABILIDADE DA PROTEÇÃO INTEGRAL À SAÚDE PSICOLÓGICA DA OFENDIDA. também pune toda a agressão psicológica, moral, sexual e patrimonial. O presente Trabalho de Conclusão de Curso objetiva tratar, especialmente, da violência psicológica no âmbito doméstico. Tal violência sempre existiu e a diferença é que atualmente o tema é amplamente discutido, tratado com o mínimo de importância que se espera. A violência psicológica, somente há pouco tempo, foi realmente identificada como um fenômeno destruidor do ambiente familiar, do trabalho e social, o que sempre resulta em problemas prejudiciais à saúde física e mental da Mulher em Situação de Violência Doméstica. Por esse motivo, é que se justifica o presente trabalho: dar atenção a um tema que está ligado à violência doméstica, e que, infelizmente, não está devidamente esclarecido em Lei.

A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES PAUTADA NA LEI MARIA DA PENHA 2. Histórico e avanços da Lei n. A violência é um fenômeno social que atinge milhares de governos e populações a cada dia, tanto local quanto globalmente, seja no público ou no privado, estando seu conceito em rotineira mutação, tendo em vista que vários comportamentos e atitudes passaram a ser elencados como formas de violência. Nas sociedades onde a definição do gênero feminino de forma tradicional é ligada à esfera familiar e à maternidade, o ponto fundamental da construção social do gênero masculino é sua formação na esfera pública, notavelmente focado nos valores materiais, o que faz daquele o protetor da família. Nessas sociedades, as mulheres estão presentes de forma maciça na força de trabalho e no mundo público, a distribuição da violência reflete a tradicional divisão dos espaços: o homem é vítima da violência na esfera pública, e a violência contra a mulher é perpetuada no âmbito doméstico, onde o agressor é, frequentemente, o próprio parceiro.

Assim, a alma tem domínio sobre o corpo; a razão sobre a emoção e o masculino sobre o feminino. A legislação portuguesa, como um primeiro exemplo, quando foi trazida ao Brasil, era constituída por Ordenações Filipinas, composta por leis compiladas em Livros por ordem do D. Felipe I, que permaneceram regendo a sociedade até a implantação do Código Civil de 1916. Por essas Ordenações, as mulheres deveriam ser tuteladas nos atos da vida civil devido à fraqueza do entender das mulheres. Se a mulher fosse casada, por sua vez, a incapacidade seria suprida pelo seu marido, que poderia ser visto como seu representante legal. Curitiba: Juruá, 2007. p. LIVRO IX, TÍTULO LXI – Do benefício do Senatus consulto Velleano, introduzido em favor das mulheres que ficam por fiadoras de outrém.

Assim, até o final da década de 1970, os maus-tratos e “castigos” destinados às mulheres não eram vistos como forma de violência, o que só começou a ocorrer após o início dos movimentos das mulheres e feministas contra a impunidade dos maridos e companheiros que praticavam diversas atrocidades. Dando um salto histórico, em 1983, Maria da Penha foi vítima de um disparo de arma de fogo deflagrado por seu marido na tentativa de assassiná-la. Direitos Humanos das Mulheres. Curitiba: Juruá, 2007. p. FERNANDES. Maria da Penha Maia. A repercussão foi tão grande que em 1998, o CEJIL-BRASIL (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e o CLADEM-Brasil, juntamente com a ofendida Maria da Penha Fernandes, encaminharam à Comissão Interamericana de Direitos Humanas (OEA) petição contra o Estado brasileiro, relativo ao caso de violência doméstica por ela sofrido.

Relataram na petição, que a denúncia da ofendida Maria da Penha Fernandes não representava uma situação isolada no Brasil, e que esta era apenas mais um caso de impunidade nos casos de violência doméstica contra as mulheres brasileiras, já que a maioria das denúncias sequer convertem-se em processos criminais, e os poucos que chegam a ser processados, somente uma segunda minoria chega à condenação dos agressores7. Sobre o caso, o Relatório n. º 54/2001, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, sobre o caso n. da Maria da Penha Maia Fernandes8: “Os peticionários indicam que o temperamento do Senhor Heredia Viveiros era agressivo e violento e que ele agredia sua esposa e suas filhas durante o tempo que durou sua relação matrimonial, situação que, segundo a vítima, chegou a ser insuportável, pois não se atrevia, por temor, a tomar a iniciativa de separar-se.

A Comissão solicitou diligências ao Estado brasileiro em 19 de outubro de 1998, 04 de agosto de 1999 e 07 de agosto de 2000, mas não obteve qualquer retorno. Como consequência, no relatório n. º 54/2001, recomendou-se ao Estado Brasileiro, dentre outras medidas, o prosseguimento e a intensificação do processo de reforma destinado a evitar a tolerância do Estado e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra as mulheres, e “simplificar os procedimentos judiciais-penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar direitos e garantias do devido processo”, além do “estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à gravidade e às consequências penais que gera”. Neste sentido, o Relatório n.

º 54/2001, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, sobre o caso n. º 54/2001, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, sobre o caso n. p. violência doméstica, não havendo evidência socialmente percebida da vontade e efetividade do Estado como representante da sociedade, para punir esses atos”. Diante disso, criou-se no Brasil um Projeto de Lei, baseado no artigo 226, §8º, da Constituição Federal/88, buscando “mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, além dos tratados internacionais ratificados pelo Estado Brasileiro. Em 2001, em decisão inédita, a Comissão Interamericana condenou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação à violência doméstica, recomendando ao Estado, dentre outras medidas, “prosseguir e intensificar o processo de reforma, a fim de romper com a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra as mulheres no Brasil” 12.

p. Comissão Interamericana de Direitos Humanos — OEA, Informe 54/01, caso 12. Maria da Penha Fernandes v. Brasil, 16-4-2001, parágrafos 54 e 55. Disponível em: <http://www. org/annualrep/2000port/12051. htm>. conculcado e, quando for o caso, a reparação dos danos produzidos pela violação dos direitos humanos”. Desta forma, em 07 de agosto de 2006, foi sancionada pelo Presidente da República, a Lei n. passando a vigorar em 22 de setembro de 2006, como um marco de grande relevância para as mulheres vítimas de maus-tratos, por resguardar de forma eficaz a sua integridade física, moral e sua dignidade humana. Maria da Penha Maia Fernandes v. Brasil, 16-4-2001. Além desta articulação, na proteção à mulher, a Lei Maria da Penha prevê as medidas protetivas de urgência, que devem ser solicitadas na Delegacia de Polícia ou ao próprio juiz, que a partir de então, tem o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para analisar a concessão ou não da medida protetiva requerida.

Ainda, a Lei protege a ofendida, ao tornar obrigatória a assistência jurídica à vítima e ao prever a possibilidade de prisão em flagrante e preventiva, ante o descumprimento das medidas protetivas de urgência estabelecidas. No que se refere à punição do agressor, antes da instauração e vigência da Lei Maria da Penha, a maioria dos crimes cometidos em situação de violência doméstica contra a mulher, eram considerados crimes de menor potencial ofensivo, contando com os institutos despenalizadores da Lei n. O importante desta Lei, é que se preocupou em apresentar apenas um rol exemplificativo, colocando a expressão “entre outras”, para não exaurir as hipóteses e deixar abertas outras possíveis situações não previstas expressamente. Além disso, atualmente, pela Lei Maria da Penha, devem ser criados Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher – JVDFM.

Contudo, não impôs a sua implantação e nem estabeleceu prazo para que fossem instalados. Porém, vale ressaltar que nos locais em que estes Juizados especializados já funcionam, parecem verdadeiras varas criminais sob o rito da Lei Maria da Penha, podendo julgar questões criminais, cíveis e da família, desde que estejam relacionadas com a situação de violência doméstica e familiar contra a mulher. Nos municípios em que tais Juizados não foram instalados, visto que a Lei apenas limitou-se a facultar a sua criação, as Varas Criminais Estaduais passam a ter também competência cível e criminal, conforme dispõe o artigo 33 da Lei n. Mas, apesar das conquistas obtidas, é inegável a persistência da violência doméstica e sexual contra a mulher no Brasil”.

Uma novidade que a Lei Maria da Penha trouxe, de grande impacto ao presente Trabalho de Conclusão de Curso, é a previsão de violência psicológica, no artigo 7, inciso II, da referida Lei. Esta violência foi incorporada ao conceito de violência contra a mulher na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará. No Código Penal, por fim, as alterações foram mais específicas, limitando-se a acrescentar uma circunstância agravante quando o agente se prevalece de relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade (Código Penal, artigo 61, inciso II, alínea ‘f’). Ainda, o aumento da pena máxima para o delito de violência doméstica, cujo limite da pena era de 06 (seis) meses a 01 (um) ano e passou para 03 (três) meses a 03 (três) anos.

Contudo, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, não há nenhuma ofensa constitucional, visto que tal decisão não é inédita, pois pode ser vista no Estatuto do Idoso19 e no Estatuto da Criança e do Adolescente20. Pela análise do presente artigo da Lei 11. não se criam varas judiciais ou qual órgão seria Relator Ministro Marco Aurélio, em seu voto-: “Para frear a violência doméstica, não se revela desproporcional ou ilegítimo o uso do sexo como critério de diferenciação. A mulher é eminent emente vulnerável quando se trata de constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos em âmbito privado. Não há dúvida sobre o histórico de discriminação e sujeição por ela enfrentado na esfera afetiva.

O Ligue 180 foi criado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres em 2005, e possui atendentes que são capacitadas em questões de gênero, legislação e políticas governamentais para as mulheres. No Balanço de 10 anos do Ligue 18022, estudo onde foram realizadas estatísticas das ligações ao 180 entre os anos de 2005 a 2015, observa-se que esse serviço acumula quase 5 milhões de atendimentos, sendo 552. de violência contra as mulheres, os quais, na grande maioria dos casos, referem-se à violência física e psicológica. Segundo esse estudo, embora a violência física ainda seja o tipo mais relatado durante as ligações, os relatos de violência psicológica estão aumentando proporcionalmente de número. Ao comportamento negativo do Estado, passa-se, então, a reivindicar um comportamento positivo.

º – Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Nota-se que as destinatárias da Lei não são consideradas um grupo homogêneo, mas sim qualquer tipo de mulher, cada qual com as suas especificidades de identidade, desde que o delito tenha sido cometido por razões de sua condição de gênero, ou que ocorra em situação caracterizadora de violência doméstica ou familiar. Ademais, importante observar que, ao longo da Lei Maria da Penha, fazem-se referências à “ofendida” ou “mulheres em situação de violência doméstica”, em vez de fazer uso do termo “vítima”, em diversos artigos, com o objetivo de não resumir a história de vida das mulheres apenas aos episódios de violência, conforme se extrai dos artigos 4 e 30 da Lei, por exemplo.

A Lei Maria da Penha, além disso, delimita o seu campo de abrangência ao local ou às relações familiares ou afetivas entre o autor da violência e a vítima. Desta forma, a violência pode ocorrer fora do ambiente doméstico, no espaço público, do trabalho, do lazer, nas ruas, entre outros. Tal violência está capitulada no inciso I, artigo 7º, da Lei Maria da Penha, e é entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da vítima, ainda que não deixe marcas aparentes. Por meio de socos, facadas, empurrões, beliscões, tapas, murros, surras, queimaduras, asfixia, ou outras agressões. Nesse sentido, a violência física continuada, mesmo que seja empregada de forma sutil, sem deixar marcas, pode gerar transtornos psicológicos que, por si, geram enfermidades psicossomáticas, decorrentes de baixa imunidade, por exemplo.

Vale lembrar, ainda, que o castigo físico ainda é praticado e aceito culturalmente como condição de afirmação de autoridade ou poder familiar. A violência sexual, é caracterizada como qualquer conduta que constranja a vítima a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. Ou seja, a vítima, no princípio, duvida da existência do assédio moral e, quando a prática reiterada se inicia, prefere acreditar que é exagero seu, ou que o agressor precisa da sua ajuda. Apesar de doutrinadores acreditarem que a violência psicológica existe em todos os crimes e, por isso, aplicar um tratamento diferenciado apenas pelo fato da vítima ser mulher seria discriminação, sabe-se que a violência contra a mulher possui origens históricas e culturais, onde a mulher sempre foi vista como um objeto, que pertence ao homem e que tem poder hierárquico sobre ela.

Conforme já externado, o uso da violência psicológica tem como objetivo a afirmação de poder e dominação nas relações, e sua expressão como violência de gênero revela-se com o intuito de impedir que as mulheres sejam sujeitas de direitos, capazes de decidir livremente as suas próprias vontades. Tal violência é a mais frequente, e, na maioria das vezes, a menos denunciada, pois a vítima começa a acreditar que os xingamentos, humilhações e manipulações de ato, sejam normais. Leda Maria Hermann, preceitua que a violência psicológica pode ser levada a cabo por meio de ameaças, insultos, ironias, chantagens, perseguições, dentre outros meios. Nesse sentido, todo o tipo de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei Maria da Penha, devem ser compreendidas a partir de alguns aspectos, como por exemplo, desde que fundadas em relação de poder baseada no gênero; desde que cause um dos resultados apontados pela lei (físico, psicológico, sexual, moral ou patrimonial); desde que tenha lugar em um dos espaços enunciados no artigo 5º da Lei e independentemente da orientação sexual das mulheres.

Nas relações conjugais, por exemplo, Marie-France Hirigoyen, destaca que “o movimento perverso se instala quando o afetivo falha, ou então quando existe uma proximidade excessivamente grande com o objeto amado” 26. Ou seja, é a proximidade entre agressor e ofendida que causa no primeiro o temor que a mulher invada seu íntimo e, por isso, constrói uma “relação de dependência, ou mesmo de propriedade, para comprovar a própria onipotência”. No dispositivo do artigo 7º da Lei Maria da Penha, a conduta do agente que praticar a agressão pode ser omissiva ou comissiva, mas, de qualquer forma, deverá 5o – Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

HIRIGOYEN, Marie-France. No caso das violências psicológicas, em particular, a lei exemplifica algumas possibilidades estratégicas de concretização do dano, sem esgotá-las no enunciado do artigo 7º, inciso II da Lei – ou seja, tal dispositivo deverá ser tratado como parâmetro interpretativo. Isto é, para o campo do Direito Penal, cada espécie de violência relevada no dispositivo deve ter correspondência com algum injusto penal. Conforme aduz Maria Berenice Dias28: “ainda que não tenha havido mudanças na descrição do tipo penal, ocorreu a ampliação do seu âmbito de abrangência”. Em suma, o que houve foi a criação paralela de um estatuto de proteção às mulheres, reforçando suas garantias e resguardando as pessoas em situações de violência doméstica.

De acordo com simples interpretação do artigo 7º da Lei em análise, a preocupação expressa é de evitar que as mulheres sejam expostas a situações violentas que configurem resultados específicos. Para Carlos Ghersi32, o dano moral é aquele que pressupõe um sofrimento subjetivo que não, necessariamente, se expresse via sintomas ou alterações psicopatológicas e só pode ser mensurado através de escalas morais convencionais, do imaginário social, cultural e religioso. O dano psicológico, por sua vez, seria a modificação da personalidade, cuja expressão se dá através de sintomas, depressões, bloqueios e manifestações que se 29DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha: A efetividade da Lei 11. de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Revista dos Tribunais.

Buenos Aires: Hammurabi, 1995, p. permitem avaliar por meio de um padrão psicopatológico. Ou seja, o dano moral pressupõe um juízo de valor e o dano psicológico, um diagnóstico. A prática da violência psicológica é sutil e repetitiva, de um agressor em posição de dominação com relação à vítima, que, por palavras, gestos e atitudes, destrói gradativamente sua autoconfiança. Segundo Isadora Vier Machado33, “as principais características destacadas são: permanência no tempo (continuidade de agressões), sutileza (mecanismos de comunicação que o agressor estabelece, para que os outros não percebam a violência dirigida à vítima) e bilateralidade (posição de dominação do agressor com relação à vítima)”. Ninguém fala, ninguém vê, ninguém reconhece”.

destacou-se)34 Ante a dificuldade da ofendida denunciar a violência psicológica, seja por não ter consciência de que esta conduta pode ser enquadrada, seja pela incapacidade de reação, o papel desenvolvido por profissionais, desde os agentes de polícia até os Isadora Vier. A “Lei Maria da Penha Maia” e o enfrentamento do assédio moral em relações conjugais: proteção à integridade psicológica da mulher. Maringá: 2007, p. Depoimento retirado da reportagem “Assédio Moral no Casamento – A agressão pela palavra. Quando a ofendida, finalmente, percebe o que está acontecendo, pode ser tarde demais, pois já se encontra com sequelas diante do abuso contínuo. O tratamento de uma mulher em situação de violência psicológica requer muita paciência, tanto da ofendida como dos demais sujeitos envolvidos, pois como esteve submersa durante muito tempo a uma condição de violência, não conseguirá desfazer as cicatrizes ocultas rapidamente, depois de tantos anos de submissão.

Os prejuízos da violência psicológica são, muitas vezes, irreversíveis, não apenas para a ofendida, mas para a sociedade. Por isso, a punição do agressor não deve ser condicionada às marcas no corpo da vítima, não levando em consideração a ideia de que os danos causados na alma e da mente são irrelevantes para o Direito. Afinal, conforme Maria Berenice Dias, “a lei foi recebida da mesma forma que são tratadas as vítimas a quem protege: com desdém e desconfiança” 35. Assim, o Magistrado pode requisitar auxílio policial ou decretar a prisão preventiva do agressor, conforme aduzem os artigos 20 e 22, §3º, ambos da Lei em análise. No Capítulo destinado às medidas protetivas de urgência, o legislador elencou algumas possibilidades dessas medidas de proteção, embora elas não sejam as únicas, pois a depender do caso em concreto, o Magistrado pode determinar outras possibilidades de medidas protetivas.

Da mesma forma, as medidas mais deferidas para as mulheres em situação de violência são: a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, quando esse agressor, na sua atividade profissional, por exemplo, utiliza armas de fogo; afastamento do agressor do lar, protegendo, dessa forma, toda a família da ofendida de uma nova possível agressão; proibição de contato com a vítima, com seus familiares ou com testemunhas, protegendo-as, de eventuais ameaças ou sensibilizações através de coações para que elas não testemunhem, por exemplo; a prestação de alimentos provisórios e o encaminhamento da vítima para determinados programas, que vão empoderá-la e melhorar a autoestima. A limitação ao uso de arma de fogo, por exemplo, é uma medida de caráter administrativo.

Caso o agressor tenha a posse regular e autorização de uso, o 34 desarmamento só poderá ocorrer mediante solicitação da vítima, como uma das medidas protetivas de urgência. Essas medidas podem ser aplicadas tanto isolada como cumulativamente e caso haja o descumprimento de algumas destas medidas, a ofendida deverá comunicar imediatamente a desobediência, e, conforme ensinamento do artigo 20 da Lei n. o Juiz responsável poderá decretar a prisão preventiva do agressor. NUCCI, 37Artigo Guilherme de Souza. Leis Penais e processuais penais comentadas. p. Após os autos são remetidos ao Ministério Público, para que adote as providências cabíveis, conforme aduzem os artigos 18, inciso III e 19, §3º, da Lei Maria da Penha. Diante da natureza de urgência desse pedido, o Juiz avalia a situação sem ter de ouvir a outra parte, como normalmente acontece no Direito.

Somente após conceder as medidas protetivas é que o agressor é comunicado, passando a estar obrigado desde sua intimação. Além de proibir que o agressor pratique determinadas condutas, a Lei Maria da Penha prevê ainda algumas medidas para resguardar a integridade física e psicológica da mulher que se encontra em situação de violência doméstica. Dentre essas medidas, temos: o encaminhamento da mulher e de seus filhos e demais dependentes para casas-abrigo e programas de proteção e acolhimento; auxílio policial para que a mulher retorne ao seu lar, caso o agressor lá permaneça; proteção policial para que a mulher retire seus pertences do domicílio do agressor; restituição dos bens da mulher que foram tomados pelo agressor; determinar a separação de corpos, dentre outras medidas que se mostrem necessárias para garantir a proteção da ofendida.

Evidente que, em pese o grande esforço para intervir nas situações de violência psicológica, não há uma definição padrão de tal fenômeno, que possa ser seguido, fato que cria diversas dificuldades jurídicas. Ante a dificuldade de operacionalizar e aplicar o conceito de violência psicológica, há doutrinas que são favoráveis à integral criminalização daquela, enquanto outras, se posicionam de maneira contrária. Assim posiciona-se João José Leal38: “Cremos que o mais grave está no olhar preconceituoso da Lei Maria da Penha, que somente enxerga a violência doméstica e familiar cometida pelo homem. Os autores (ou autoras!) da lei não viram que os tempos mudaram (. não devemos esquecer que, também, são registrados casos de violência doméstica praticados pela mulher.

Se for muito melhor, a Senhora passa. Se for igual, nós preferimos homem”. Escutei da minha mãe, desde menina, que não me lamentasse de nada, porque eu tinha que, realmente, dar cobro a uma demanda que eu já entro com diferença. Portanto, não adianta reclamar do excesso de serviço, porque se o homem reclamar, está certo: “Ó, é mulher!” (. E esse modelo todo, a meu ver, faz com que ainda hoje – portanto, 9 de fevereiro de 2012 -, a mulher foi e continua sendo sempre grandemente sinônimo de sofrimento, sinônimo de dor, sinônimo de uma luta desigualada. P. Apesar disso, não há qualquer tipo penal dotado de um conceito, com o objetivo de punir a conduta daquele agressor que inflige a mulher de forma psíquica.

Tal direito deve ser efetivado, pois a interpretação legal sem a criação de um tipo penal autônomo demonstra-se insuficiente para resguardar as mulheres em situação de violência, não passando, desta forma, de uma mera promessa legal. Em diversos países, por exemplo, a criação de uma categoria específica de violência psicológica resultou em uma grande proteção no âmbito criminal, sobretudo das ofendidas e seus filhos. A história espanhola da judicialização das violências domésticas, por exemplo, começou com a primeira inserção criminal no Código Penal espanhol de 1925, que em seu artigo 762 assim aludia41: “Os ascendentes e tutores que, abusando do direito de corrigir e castigar moderadamente os menores que estejam sob seu cuidado ou guarda, maltratarem os mesmos de modo grave e colocarem em risco sua saúde, serão castigados com pena de dois meses e um dia a um ano de prisão e multa de 1.

P. HUERTA TOCILDO, Susana. Los limites Del derecho penal em La prevención de La violência doméstica, p. HUERTA TOCILDO, Susana. Los limites Del derecho penal em La prevención de La violência doméstica, p. BENÍTEZ ORTÚZAR, Ignácio F. La violencia psíquica a la luz de la reforma del Código Penal en materia de violencia doméstica. Disponível em: http://premium. vlex. com/doctrina/Estudios-penalesviolencia-domestica, 01. Além do mais, para as mulheres em situação de violência psicológica, a Lei Maria da Penha, não há como discordar, representou, finalmente, a aceitação da existência de uma violência caracteristicamente psicológica. Contudo, não assegura uma proteção definitiva para a ofendida, já que o artigo 7º, inciso II, da referida lei, é apenas um elemento de interpretação do delito de lesão corporal.

Ora, quando o legislador incorporou o §9º no artigo 129 do Código Penal, conferiu proteção à integridade física e saúde das ofendidas, mas, na época, por certo, o conceito de saúde não abrangia violência psicológica. Vejamos: Art. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: § 9º - Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Mas caso o sofrimento seja um sofrimento sutil, invisível e reiterado, que não se encaixe em nenhuma modalidade criminosa prevista no Código Penal, essa intervenção de conteúdo jurídico ficará prejudicada, e terá que ser feita por outras instâncias de atuação, especialmente a instância de atuação psicossocial.

Desta forma, caso a ofendida esteja sendo humilhada, rejeitada ou ignorada, por exemplo, e tais atos não se enquadrem em nenhum tipo penal já existente no Código Penal Brasileiro, não será o artigo 7º, inciso II, da Lei Maria da Penha que criminalizará o agressor, já que tal inciso é apenas um elemento de interpretação, ficando, assim, a ofendida sem qualquer proteção jurídica. Assim, observa-se que a complexidade da violência psicológica em si, abordada na Lei Maria da Penha, não encontra respaldo à sua altura. Assim como a violência doméstica, anterior a lei, era tratada como crimes sem particularidade (como uma simples lesão corporal, por exemplo), a violência psicológica igualmente carece de tratamento penal específico. Com relação à violência psicológica no casamento, por exemplo, Ruth de Aquino assevera48: “Entre as quatro paredes de um casamento, é nas palavras, no tom, no olhar, na ironia, na indiferença e na humilhação que se descobrem os primeiros sinais da crueldade psicológica.

Acesso em 29 de outubro de 2017. AQUINO, 43 Um tipo penal, basicamente, é uma construção jurídica, devendo conter uma “descrição abstrata de um fato real que a lei proíbe” 49, além de somar com uma previsão de consequência jurídica, a sanção penal – o conteúdo prescritivo da norma, que impõe um ‘dever ser’, deve sempre vir acompanhado de um efeito jurídico. Assim, levando em consideração que o artigo 7º da Lei Maria da Penha não apresenta tipos penais e sim condutas exemplificativas de modalidades de violências domésticas, há a necessidade da criação de um tipo penal autônomo propriamente dito. Logo, o tipo penal autônomo proposto, deveria idealizar uma proteção, especialmente, psicológica da ofendida, trazendo um rol exemplificativo de atitudes que denigrem a imagem da ofendida como mulher.

Xingar, humilhar, ignorar, diminuir ou denegrir são apenas um dos tantos verbos que poderiam ser utilizados como núcleo do tipo no caso em tela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro: volume 1 – parte geral. ed. rev. A prática deve ser reiterada e habitual, sendo algo constante na vida da ofendida e do seu agressor, algo que denigra a imagem da mulher em situação de violência pouco a pouco, não atingindo, desta forma, o princípio da intervenção mínima do Estado. Importante ressaltar, que, ante a falta de possibilidade de provas na violência psicológica, a palavra da vítima deve possui grande valor probatório, haja vista o véu 51CUNHA, Rogério Sanches.

Código Penal para concursos. Doutrina, jurisprudência e questões. º edição. Caso contrário, este padrão de violência será repetido nas próximas gerações como algo normal, repercutindo de forma negativa no meio social, cada vez mais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante o estudo realizado, é possível observar que a violência psíquica contra a mulher é uma realidade na sociedade brasileira. Sendo assim, deve ser combatida de forma preventiva e repressiva. O fato da violência psicológica ter sido promulgada pela Lei n. constituiu-se em um importante avanço no que diz respeito à proteção das mulheres em situação de violência psicológica, pois apenas a partir da Lei Maria da Penha, que surgiu a aceitação da existência de uma violência com danos apenas psíquicos e emocionais, sem qualquer vestígio físico como meio de prova.

BARSTED, Leila Linhares. O progresso das mulheres no Brasil, cit. p. CAMPOS, Amini Haddad e CORRÊA, Lindalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres. oas. org/annualrep/2000port/12051. htm>. Comissão Interamericana de Direitos Humanos — OEA, Informe 54/01, caso 12. Maria da Penha Fernandes v. FERNANDES. Maria da Penha Maia. Antes de Tudo, uma forte. FERNANDES. Maria da Penha Maia. Salvador: Jus Podivm, 2007. p. HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral: A violência perversa no cotidiano. HUERTA TOCILDO, Susana. Da dor no corpo à dor na alma: uma leitura do conceito de violência psicológica da Lei Maria da Penha. Florianópolis: 2013. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e processuais penais comentadas. PIOVESAN, Flávia. Acesso em 10 de novembro de 2017. RODRIGUEZ, Enrique Esbec; JARABO, Gregório Gomes. Psicología forense y tratamiento jurídico legal de la discap.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. ROVINSKI, Sonia Liane Reichert.

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