Territorialização

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Engenharia mecânica

Documento 1

Por fim, são apresentados alguns passos que podem contribuir na reorganização e ampliação das práticas de territorialização na Atenção Básica à Saúde. Palavras-chave territorialização; atenção básica à saúde; vigilância em saúde; saúde do trabalhador; saúde ambiental. Introdução Muito se tem discutido a respeito da efetiva implementação das ações de saúde do trabalhador e de saúde ambiental no Sistema Único de Saúde (SUS), previstas em diversos dispositivos legais e normativos tanto da Constituição Federal quanto da Lei Orgânica da Saúde. Os debates acadêmicos, nas instâncias de controle social ou entre técnicos mostram, de forma inequívoca, que o primeiro passo está na inserção dessas ações na Atenção Básica à Saúde e na Estratégia Saúde da Família (ESF), portas de entrada do sistema e ponto-chave por meio do qual o SUS se encontra com o cotidiano de vida, saúde e doença de cidadãos e cidadãs.

Entretanto, apesar do conjunto de esforços mais ou menos articulado, incluindo diversas iniciativas de capacitação de profissionais, ainda são muitas as dificuldades para a efetiva incorporação das relações produção-trabalho, saúde-ambiente nesse nível de organização do SUS. A apreensão e a compreensão do território, em que pese toda a sua riqueza e complexidade, sinalizam uma etapa primordial para a caracterização descritiva e analítica das populações humanas e de seus problemas de saúde. Além disso, também permitem a avaliação dos reais impactos dos serviços sobre os níveis de saúde dessa população, possibilitando, ou efetivamente abrindo, espaços para o desenvolvimento de práticas de saúde voltadas para o chão concreto, para o lugar da vida cotidiana das pessoas.

Essa (re)emergência do território como categoria analítica dos eventos saúde-doença não é recente, mas nos convida a novas idéias e a elaborações teóricas e práticas, inspirando-nos a pensar não no território per si, mas em termos dos seus contextos de uso - e aqui se encontram precisamente as possibilidades da construção de interfaces operacionais entre a Atenção Básica à Saúde e a Vigilância em Saúde (Santos, 2008). A concepção hegemônica de saúde, assentada na centralidade do modelo médico-assistencial e hospitalocêntrico, ainda se faz presente e disputa no processo de construção do SUS. Ela tem levado à impotência crescente e avassaladora do sistema de saúde diante das complexas transformações nos mais diversos 'ambientes' da vida das pessoas, advindos de graves questões relacionadas com os progressivos processos de urbanização e de segregação socioespacial, sobretudo nas complexas regiões metropolitanas brasileiras e de exclusão social ou, como advogam alguns autores, de inclusão precária (Couto, 2008).

A ESF possui diferenças marcantes em relação ao modelo hegemônico médico-hospitalocêntrico, tais como: incorporação do conceito de saúde como qualidade de vida e defesa da prestação de serviços de saúde como um direito de cidadania; concentração das ações na coletividade, sem deixar de lado o indivíduo, centrando-se na atenção integral à saúde por meio de ações de promoção, proteção, cura e recuperação; a hierarquização da rede de atendimento em níveis de atenção primária, secundária e terciária, articulados entre si e coordenados pela atenção básica; distribuição dos serviços de saúde no território dos municípios, permitindo o acesso da população às ações de saúde; predomínio da intervenção por equipe multidisciplinar, e com planejamento e programação pautados em dados epidemiológicos e priorizado por famílias ou grupos com maior risco de adoecer e de morrer; estímulo à participação comunitária; e funcionamento baseado na organização da demanda e no acolhimento dos problemas da população adscrita (Andrade, Barreto e Fonseca, 2004).

A despeito das grandes conquistas e diferenças em relação ao modelo hegemônico biomédico, evidenciamos que tais características não são operacionalizadas e percebidas pela comunidade e pelos profissionais de saúde de forma homogênea, ficando claros os seus imensos desafios e contradições, como o forte caráter prescritivo e uma 'confusão' entre o que é ferramenta para o diagnóstico e a intervenção e aquilo que é resultado em saúde. Ou seja, é como se as equipes, ao seguirem a 'prescrição' altamente detalhada das ações programáticas previstas na ESF, lograssem atingir os resultados desejados, com a decantada resolução de aproximadamente 85% dos problemas de saúde (Franco e Merhy, 2000). Franco e Merhy (2000) ressaltam, ainda, a necessidade de um verdadeiro trabalho em equipe, deixando de lado a onipotência de cada profissional, bem como a incapacidade atual dos profissionais das equipes de saúde da família de 'perceberem' e 'operacionalizarem' o ambiente-território, o que compromete, em muito, a declarada 'potência transformadora' da ESF.

Nesse contexto de muitos avanços e conquistas, mas ainda de muitas dificuldades, entendemos que ganha substancial relevo a 'problematização' do território articulada à noção de Vigilância em Saúde. No caso da ESF, percebe-se a preocupação de operacionalizar o conceito de território sem que se discutam, no entanto, os seus múltiplos sentidos. Quando se considera um determinado local delimitado pela ESF, pode-se falar de uma configuração territorial que possui determinados atributos. Essas características, naturais ou elaboradas pelo homem, dão feição ao ambiente, o qual, por sua vez, influi no processo saúde-doença da população. O reconhecimento dessa relação é passo importante para a incorporação de conceitos e práticas da geografia na ESF (Pereira e Barcellos, 2006). O território, nesse caso, seria mais do que um depositário de atributos da população; seria também o lugar da responsabilidade e da atuação compartilhada.

Entre essas dinâmicas, estão, por exemplo, a chegada de novos processos produtivos e tecnológicos - os quais, ainda que atendam a determinados interesses sociais, são portadores e viabilizadores de numerosas possibilidades de geração de riscos e de ampliação de vulnerabilidades. Nesses contextos, além da ocorrência de danos e agravos à saúde humana, há também prejuízos aos ecossistemas prestadores de serviços ambientais relevantes para toda a comunidade de vida local. Sobre esse aspecto, entendemos que a problemática ambiental (dentre outras relevantes dimensões existenciais dos territórios) vem sendo tratada de forma absolutamente insuficiente no que tange à necessidade do Siab de apreender e compreender algumas características fundamentais para a análise do socioespaço, pois os únicos 'parâmetros' ambientais presentes nesse sistema (Ficha A) estão relacionados ao 'ambiente' do domicílio das famílias e ao seu entorno mais imediato, e levantam questões como: tipo de casa - tijolo/adobe, taipa revestida, taipa não revestida, madeira, material aproveitado, número de cômodos, energia elétrica; destino do lixo - coletado, queimado, enterrado, céu aberto; tratamento da água no domicílio - filtração, fervura, cloração, sem tratamento; abastecimento de água - rede geral, poço ou nascente; destino de fezes e urina - sistema de esgoto, fossa, céu aberto (Brasil, 2000).

Entretanto, esses parâmetros não destacam questões como a do lançamento de efluentes industriais e de outros resíduos oriundos dos mais diversos processos produtivos, por vezes localizados a grandes distâncias, mas que distribuem os malefícios de suas atividades de forma desigual e injusta, ao contaminarem continuamente os recursos hídricos de usufruto comum de determinada comunidade, para ficarmos apenas em um exemplo mais imediato e óbvio. Estamos falando, portanto, da possibilidade concreta de contaminação ambiental e das pessoas por substâncias químicas absolutamente estranhas aos lugares da vida cotidiana onde irão exercer seus efeitos tóxicos, sejam esses imediatos ou de longo período de latência, atualmente não contemplada no formato corrente dos sistemas de informação em saúde.

Sublinhando as relações produção, trabalho, ambiente e saúde no território A importância das relações entre os processos de produção e consumo e a saúde humana vem sendo intensamente estudada, debatida e reconhecida na área da saúde coletiva, especialmente nos campos da saúde ambiental e da saúde do trabalhador. Da perspectiva do território, cabe reconhecer os processos produtivos nele instalados, bem como os que se situam em seu entorno, ou mesmo remotamente, e identificar suas relações com o ambiente e com a saúde dos trabalhadores e dos moradores. A Figura 1 mostra de forma esquemática essas relações, mediante um hipotético processo produtivo de bens, serviços ou infraestrutura. Esse processo vai demandar inputs que podem envolver a ocupação de um espaço - normalmente já ocupado por comunidades humanas ou por outras comunidades de vida (fauna, flora) - que seja, inclusive, um ponto de disputa e conflito no território.

Podem envolver, ainda, o consumo de água - em volumes que cheguem a comprometer o abastecimento humano, no caso de as fontes serem as mesmas -, de energia e de combustíveis fósseis. As questões abordadas nos itens 1 e 2 podem ser investigadas com base em diferentes instrumentos: dados secundários e de literatura, aplicação de questionários, realização de grupos focais ou de rodas de conversa sobre os temas, entrevistas com informantes-chave, elaboração de mapas pelos moradores etc. O que já se sabe sobre este lugar? Sempre é possível encontrar conhecimentos já produzidos sobre o território em estudo - se não exatamente, pelo menos sobre o município, a região; com isso, reduz-se muito o tempo da etapa de aproximação. Interessa conhecer a história do lugar, porque ela já vai adiantar muitos elementos do que chamamos de identidade territorial, a qual está, às vezes, fortemente presente na identidade coletiva.

Compreender a linha que une o passado ao presente nos permitirá aceder a potencialidades, tradições, cultura, valores e hábitos, e também aos possíveis conflitos - de poder, de uso e ocupação do solo, culturais, étnicos, ambientais etc. todos da maior relevância para a saúde. Embora muitas vezes uma imagem de homogeneidade e harmonia esteja associada à palavra comunidade, é prudente levar em consideração a possibilidade de haver atores com interesses distintos. Lembrar que a comunidade "é um espaço comum de recursos, sim, só que exposto a distintos projetos, interesses, formas de apropriação e uso material e simbólico" (Acselrad, 2004, p. É preciso cuidar também da postura da equipe. E isso envolve um amplo leque de habilidades comunicacionais e relacionais: a linguagem, a apresentação, o desejo de escuta, o respeito pela diferença, a astúcia.

É muito desejável que se possa estruturar um grupo para estudo do território, envolvendo profissionais de saúde, lideranças e moradores locais. Em geral, o órgão ambiental estadual ou municipal deve dispor de, e disponibilizar, informações relevantes para a equipe de saúde, inclusive Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto sobre o Meio Ambiente (Rima), quando for o caso. Os profissionais da vigilância ambiental do município podem ter dados sobre problemas que já estejam acompanhando, mas essa informação pode, e deve, ser complementada por depoimentos de trabalhadores e vizinhos dos empreendimentos, que exercem a vigilância cotidiana. Para o estudo do processo de trabalho de cada unidade produtiva, pode-se tomar como referência um roteiro específico, como o constante do Quadro 1, que deve ser adaptado às características de cada gênero de atividade e local.

Para tanto, é necessário que o grupo adentre esses espaços de produção e trabalho, a fim de colher informações junto de informantes-chave (gerentes, engenheiros, encarregados, responsáveis pelo setor de recursos humanos ou pelo almoxarifado etc. e para realizar observação direta do processo de trabalho. d) Os conflitos socioambientais e a percepção da comunidade Quais os conflitos em curso no território? As disputas pelo uso e ocupação da terra e do solo urbano, o acesso aos recursos naturais, a contaminação e a qualidade ambiental, as relações políticas e sociais etc. Quais os problemas em curso no território percebidos pelos diferentes grupos da população? Como esses atores os explicam e propõem solucioná-los? Estabelecem relações entre esses problemas e a saúde? Quais consideram prioritários para a intervenção/ação? Que recursos, forças e caminhos as pessoas percebem na própria comunidade? Que projetos de futuro estão se conformando? Evidentemente, esses elementos mais profundos vão surgindo a partir da aproximação progressiva das pessoas, dos processos coletivos de apropriação de informações e do debate sobre os problemas.

Eles também podem ser investigados por meio de questionários, entrevistas em profundidade e trabalhos em grupo, inclusive com o apoio de técnicas de educação popular - como o sociodrama, o teatro, os mapas falados etc. Considerações finais A ampliação do olhar dos profissionais da Atenção Básica à Saúde sobre o território é estratégica para: a superação dos limites da unidade de saúde e das práticas do modelo de atenção convencional; a (re)construção do vínculo dos profissionais e do sistema de saúde com o lugar; a adequação das ações de saúde à singularidade de cada contexto sócio-histórico específico; e a incorporação efetiva do paradigma da promoção da saúde e da participação.

Não é uma panaceia, mas é um ponto de partida fértil. E porque, de per si, é já uma forma de produzir e difundir conhecimento, mobilizar, educar, criar ou fortalecer redes, empoderar sujeitos coletivos e projetos de equidade e sustentabilidade, ou seja, de construir saúde. O convite é para darmos passos nesse sentido, testando e aperfeiçoando esse esboço de proposta.

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