Resenha do livro o queijo e os vermes

Tipo de documento:Projeto de Pesquisa

Área de estudo:Estatística

Documento 1

Nascera em 1532 (quando do primeiro processo declarou ter 52 anos), em Montereale, uma pequena aldeia nas colinas do Friuli, a 25 quilômetros de Pordenone, bem protegida pelas montanhas. Viveu sempre ali, exceto dois anos de desterro após uma briga”. “Era casado e tinha sete filhos; outros quatro haviam morrido. ” p31. Declarou ao Santo Oficio que exercia as atividades de moleiro, vestindo-se de branco com capuz e capa de lã. Fez uma feroz critica a hierarquia da igreja católica e seus membros, acusando-a de arruinar os pobres. Criticou ainda a luxuria da Igreja, e disse que a mesma deveria abandonar seus privilégios e seguir o que Cristo pregava a simplicidade. Declarou recusar todos os sacramentos da Igreja, criticando o Batismo, a Crisma, o Casamento, a Extrema-unção e a Confissão, sempre alegando que todas essas celebrações foram criadas pelo homem e serviam apenas como mercadoria e era usado pela igreja para subjugar as pessoas.

p42 Mas qual era o fundamento dessa crítica radical aos sacramentos? Com certeza não as Escrituras, que estas Menocchio submetiam a um exame sem preconceitos, reduzindo-as a “quatro palavras” que constituíam sua essência: “Acho que a Sagrada Escritura tenha sido dada por Deus, mas, em seguida, foi adaptada pelos homens”. p44 Para buscar um entendimento maior do momento em que o personagem principal vive vamos analisar o que disse Carlos Coner, em 1587, frisava a pobreza natural da partia: “muito estéril porque em parte montanhosa, pedregosa nas planícies e exposta a freqüentes inundações e danos das tempestades, que são muito comuns na região”, e concluía: “Assim sendo, se os nobres não possuem grandes riquezas, os camponeses são paupérrimos”.

Essa afirmação do Judeu Simon, já que os ensinamentos do Alcorão são antagônicos aos ensinamentos de Lutero, afasta a possibilidade da ligação dele com os Luteranos. A insistência na simplicidade da palavra de Deus, a negação das imagens sacras, das cerimônias e dos sacramentos, a negação de Cristo, a adesão a uma religião prática baseada nas obras, a polêmica pregando a pobreza contra as “pompas” da Igreja, a exaltação da tolerância, são todos elementos que nos conduzem ao radicalismo religioso dos anabatistas. Todavia, apesar das analogias apontadas, não parece possível definir Menocchio como um anabatista. O valor positivo que ele formulou a propósito da missa, da eucaristia e também, dentro de certos limites, da confissão, era inconcebível para um anabatista.

Sobretudo um anabatista que via no papa a encarnação do Anticristo, nunca teria dito uma frase como aquela de Menocchio a respeito das indulgências: “[. A posição de Menocchio a cerca da tolerância tinha um conteúdo positivo: “A majestade de Deus distribui o Espírito Santo para todos: cristãos, heréticos, turcos, judeus, tem a mesma consideração por todos, e todos, e de algum modo todos se salvarão” (grifo meu). Seu radicalismo religioso, embora tendo ocasionalmente se nutrido de temas da tolerância medieval, ia muito ao encontro das sofisticadas teorizações religiosas dos heréticos contemporâneos de formação humanista. p94 Menocchio lia seus livros destacando, chegando a deformar, palavras e frases; justapunha passagens diversas, fazendo explodir analogias fulminantes. Triturava e reelaborava suas leituras, indo muito além de qualquer modelo preestabelecido.

Suas afirmações mais desconcertantes nasciam do contato com textos inócuos, como As Viagens, de Mandeville, ou a Historia del Giudicioi. Num interrogatório subseqüente ainda precisou: no dia do Juízo, os homens serão julgados “por aquela santíssima majestade que eu citei antes, que existia antes que existisse o caos”. E, numa versão ulterior, substituiu Deus pela “santíssima majestade”, o Espírito Santo de Deus: “Eu acredito que o eterno Deus daquele caos do qual eu já falei tenha retirado dali a mais perfeita luz, assim como se faz o queijo, e daquela luz fez os espíritos que nós chamamos anjos, entre os quais elegeu o mais nobre, e a ele deu toda sua sabedoria, toda sua vontade e todo seu poder, e este é o que nós chamamos Espírito Santo, o qual foi colocado por Deus na criação do mundo interior.

Perguntou o inquisidor, “Deus foi sempre eterno e esteve sempre no caos?” “Eu acredito que sempre tenha estado juntos, nunca separados, isto é, nem o caos sem Deus, nem Deus sem o caos. ” Diante dessa miscelânea, o inquisidor tentou (era 12 de maio) obter um pouco de clareza antes de concluir definitivamente o processo. Assim, na sua linguagem densa, recheada de metáforas ligadas ao cotidiano, Menocchio explicava sua cosmogonia tranquilamente, com segurança, aos inquisidores estupefatos e curiosos. Graças à segunda, tivera palavras à sua disposição para exprimir a obscura, inarticulada visão de mundo que fervilhava dentro dele. Nas frases ou nos arremedos de frases arrancadas dos livros, encontrou os instrumentos para formular e defender suas próprias idéias durante anos, com seus conterrâneos num primeiro momento, e, depois, contra os juízes armados de doutrina e poder.

Desse modo, viveu pessoalmente o salto histórico de peso incalculável que separa a linguagem gesticulada, murmurada, gritada, da cultura oral, da linguagem da cultura escrita, desprovida de entonação e cristalizada nas páginas dos livros. A vitória da cultura escrita sobre a oral foi, acima de tudo, a vitória da abstração sobre o empirismo. Na possibilidade de emancipar-se das situações particulares está à raiz do eixo que sempre ligou de modo inextricável escritura e poder. dizias; enfim latias; colocaste o veneno; e o que é terrível que não só se diga mas se ouça; teu espírito mau e perverso não se contento com essas coisas todas [. mas levantou os seus cornos e, como os gigantes, te puseste a lutar contra a inefável Santíssima Trindade; o céu se espanta, tudo se conturba e estremecem os que ouvem as coisas tão desumanas e horríveis que com tua voz profana falaste de Jesus Cristo, filho de Deus”.

Menocchio foi condenado a abjurar publicamente todas as suas heresias, a cumprir várias penitências salutares, a vestir para sempre um hábito marcado com a cruz, em sinal de penitência, e a passar no cárcere, à custa dos filhos, o resto da vida. No entanto permaneceu no cárcere de Concórdia quase dois anos. Em 18 de janeiro 1586, Ziannuto, seu filho, apresentou, em nome dos irmãos e da mãe, uma súplica ao bispo Matteo Sanudo e ao inquisidor de Aquiléia e Concórdia, que era então o frade Evangelista Peleo. Tenta leva uma vida normal na comunidade, passando por dificuldades, visto que sofria com a discriminação por conta do hábito com a cruz, faltava-lhe emprego, dirige-se ao inquisidor e pede para tira-lhe o hábito com a cruz, e revogar a proibição de sai de sua cidade, ao que o segundo pedido foi atendido, Menocchio tentava leva uma vida com prudência guando falava de assuntos religiosos, no entanto seu pensamento não mudara, e ele cometera alguns deslizes, fazendo comentários críticos a Igreja.

Por volta do fim de junho de 1599, ele foi novamente preso e confinado no cárcere de Aviano. Algum tempo depois foi transferido para Portogruaro. Em 12 de julho compareceu diante do inquisidor, frade Gerolamo Asteo, do vigário de Concórdia, Valeiro Trapola, e do magistrado do lugar, Pietro Zane. Quinze anos eram passados desde que Menocchio fora interrogado pela primeira vez pelo Santo Ofício. Procurava dizer tudo o que esperavam que dissesse: “É verdade que os inquisidores e outras autoridades não querem que nós saibamos o que eles sabem, porém é preciso que nos calemos”. Todavia, em certos momentos não conseguia se conter: “Eu não acreditava que o paraíso existisse porque não sabia onde estava”. Em 2 de agosto a congregação do Santo Ofício se reuniu: Menocchio foi declarado, por unanimidade, um “relapso”, um reincidente.

O processo terminara. Decidiu-se, no entanto, submeter o réu a tortura, para arrancar-lhe o nome dos cúmplices. É mesmo desafiador imaginar um camponês rodeado de misticismo religioso, de credos populares, no final do século XVI, fazer suposições e levantamentos sobre as “coisas da fé” de forma tão eloqüente, e defende-las com tanta convicção mesmo sabendo que isso poderia lhe custar a própria vida. Carlo Ginzburg é um historiador e antropólogo italiano, conhecido como um dos pioneiros no estudo da micro-história. GINZBURG, Carlos. O queijo e os Vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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