DECLARAÇÃO PLURICULTURAL DOS DIREITOS HUMANOS

Tipo de documento:Redação

Área de estudo:Direito

Documento 1

Orlando Villas Bôas Filho São Paulo 2014 YOKANAÃ FERREIRA JÚNIOR Declaração Pluricultural dos Direitos Humanos Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Aprovado em BANCA EXAMINADORA Prof. Instituição: ___________________________ Julgamento: ____________________ Assinatura: ___________________________ Prof. Instituição: ___________________________ Julgamento: ____________________ Assinatura: ___________________________ Prof. Instituição: ___________________________ Julgamento: ____________________ Assinatura: ___________________________ Aos meus pais, Maria Irenilde e José Ranulfo – nordestinos batalhadores -, pela dedicação e amor incondicional. Cosmopolitismo. Internacional. Declaração Pluricultural dos Direitos Humanos. Diálogo ABSTRACT Discusses the origin of human rights, for understanding the Eastern and Western conceptions of dignity of the human person developed. Relates the tension between globalization and diffuse human rights, arising from the hegemonic process. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO. AS ORIGENS DOS DIREITOS HUMANOS.

TENSÃO ENTRE GLOBALIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS. Apologia contra a autodeterminação dos povos, os direitos culturais e o direito ao desenvolvimento. CONDIÇÕES À DECLARAÇÃO PLURICULTURAL DOS DIREITOS HUMANOS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. ANEXOS. INTRODUÇÃO É incontestável a relevância da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 para a ascensão do valor da dignidade da pessoa humana, uma verdadeira conquista da cultura, fruto da nossa experiência histórica. Grande parte dos livros sagrados e textos religiosos traz em seu corpo passagens que mencionam princípios morais e humanísticos, os quais se concebem como deveres que devem ser respeitados pelos seus respectivos seguidores. As religiões exerceram papel crucial na apologia aos valores humanos. É indubitável que, por vezes, no percurso da história da humanidade, serviram de instrumento dominador de uma classe específica sobre uma massa de oprimidos, segregando interesses e reprimindo minorias.

Por outro lado, ascenderam princípios e valores humanos, verdadeiros pilares sustentadores da satisfação espiritual e realização do ser humano como ente social. Não trataremos, durante o percurso do desenvolvimento deste trabalho, das condições e disputas trazidas pela intolerância religiosa – que como criação e projeção humanas possui percalços e ainda está consubstanciada em interesses, 11 infelizmente -, mas dos princípios e valores que consagram e elevam a dignidade da pessoa humana, pontificando a existência da ética universal, cada uma a seu modo. a. C. Ishay (2006) afirma que, para Platão, a Justiça Absoluta somente se alcança quando cada indivíduo cumpre as tarefas para as quais possui aptidão, em harmonia com o bem comum. cabe notar que essa noção de bem comum contém uma defesa de direitos iguais para a mulher, numa época em que elas eram totalmente segregadas da vida política.

Platão foi também um dos primeiros escritores a defender uma norma moral universal de conduta ética (ISHAY, 2006, p. Epicteto de Hierápolis postulou a ideia de uma “fraternidade universal” com um toque religioso. Sustenta que nem os reis, nem seus amigos, nem os escravos são verdadeiramente livres, mas somente aquele que não é escravizado pelo corpo, pelos desejos, pelas paixões e pelas emoções, aquele que, por meio da razão, consegue controlar seus apetites e, ao mesmo tempo, não teme a morte. o universo é o seu “verdadeiro país”. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona na África romana, também adotou esses mandamentos, sendo o objetivo de seus escritos a construção de uma sociedade livre de distúrbios e desgraças: “ele acreditava que os indivíduos tinham a capacidade de usar suas melhores qualidades naturais para buscar a paz e a ordem com os demais” (ISHAY, ibidem, p.

Em continuidade, Ishay assevera que as ideias de justiça e de guerra santa também são discutidas no Alcorão. aponta a relevância da obra de São Tomás de Aquino (1224/5 1274), afirmando a sua importância ao definir a questão da guerra justa: 13 [. as guerras são injustas quando motivadas por ampliação de território, pelo desejo de poder ou conduzidas com crueldade; [. as guerras privadas são pecaminosas, pois derivam de paixões privadas e não podem resultar em fins racionais e pacíficos. O missionário dominicano espanhol Bartolomé de lãs Casas (1474 -1566) denunciou em suas obras a opressão dos índios pelos europeus e exigiu a abolição da escravidão indígena. Para Micheline R. Beccaria foi o primeiro escritor moderno a pedir a abolição da pena capital: “A pena de morte não é [.

um direito [. mas um ato de guerra de uma sociedade contra o cidadão que ela julga útil ou necessário destruir”. Em 1776 a Declaração de Independência dos Estados Unidos tornou as treze colônias americanas independentes da Inglaterra, afirmando que “todos os homens 14 são criados iguais, de que são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Seus ideais refletiram na rebeldia de Antonio de Nariño e Francisco Miranda contra o império espanhol na América do Sul e no combate do francês Maximilien Robespierre contra o feudalismo e seu caráter absolutista. Ishay (2006) assevera que a posição socialista com relação aos direitos humanos foi firmada pelo ataque de Pierre-Joseph Proudhon à propriedade; pelo internacionalismo de Karl Marx; pela condenação do caráter a-histórico dos direitos humanos liberais por Marx e Friedrich Engels; pela denúncia desses dois revolucionários, juntamente com August Bebel, da condição de dependência das mulheres na família nuclear e monogâmica e por seu incentivo à celebração de uma aliança entre os trabalhadores e as mulheres.

Com a Revolução Bolchevique (1917), a luta pelos direitos socialistas alcançou um novo patamar; ao mesmo tempo, a formação da Sociedade das Nações (1919) 15 representava um novo marco na agenda liberal dos direitos humanos. Contudo, ambas as visões encontraram óbices advindos do regime fascista. Com a derrota do fascismo na Segunda Guerra Mundial, surgiram duas superpotências, cada uma justificando uma luta global pelo poder com base num embate entre os direitos liberais universais e os direitos socialistas. Com o esfriamento do conflito, emergiram diversos grupos que, em alguns casos, se opuseram ao próprio conceito de universalidade subjacente a ambas as ideologias (ISHAY, 2006, p. E esse reconhecimento universal de igualdade humana só foi possível quando [. percebeu-se que a ideia de superioridade de uma raça, de uma classe social, de uma cultura ou religião, sobre todas as demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade (COMPARATO, 2005, p.

TENSÃO ENTRE GLOBALIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS Os direitos humanos constituem o óbice mais significativo aos objetivos da globalização, a qual se afirma em monopólios e hierarquias; apropria-se de bens comuns, produzindo vulnerabilidade e insegurança sem valores comuns; trata as pessoas como se mercadorias fossem. Em contraposição estão os direitos humanos, enfatizando a relevância da democracia e da participação, a ação coletiva, a solidariedade, a segurança, a dignidade. Constituem a arma que pertence às vítimas da opressão e da violência. A atual preocupação com a identidade, estimulada em grande parte pela globalização, reconheceu e deu proeminência a identidades dentro de Estados que tendiam a ver a si mesmos como étnica e culturalmente homogêneos, dando assim um novo impulso ao multiculturalismo.

Isto altera o contexto no qual opera o multiculturalismo, trazendo-o assim para dentro dos limites do Estado, em vez de ser um choque/relação entre áreas geográficas amplas e díspares. Alguns dos debates mais intensos e interessantes sobre o multiculturalismo ocorrem agora dentro das fronteiras de um Estado, relacionados com a coexistência das suas comunidades (SANTOS, 2003, p. Para Yash Ghai (SANTOS, 2003), o cenário político atual garante um maior respeito à diversidade cultural, considerando o processo de conscientização étnico-cultural promovido pelo desenvolvimento do Direito Internacional e pela economia global. Contudo, a influência homogeneizadora pertencente ao capitalismo e aos mercados globais deve ser ressaltada. Portanto, torna-se 18 insustentável o argumento de que o capitalismo é compatível com várias formas de cultura, porquanto a globalização modificou a estrutura cultural de diversas regiões periféricas, estabelecendo um cenário de coexistência entre várias culturas, no qual as ideias ocidentais sobrepujam todas as outras (GHAI, 1993 apud SANTOS, 2003).

No entanto, ainda há resistências a essa sobreposição de culturas. Os direitos humanos tornaram-se uma área de elevada contestação, com uma multiplicidade de normas e convenções regionais e internacionais, uma pluralidade de mecanismos de aplicação ou de fiscalização, com distintas justificações políticas e morais para a primazia dos direitos, e modos de contestação ao próprio conceito de direito (GHAI, 2002 apud SANTOS, 2003). É incontestável a influência ocidental sobre a concepção de direitos humanos difundida pelo globo. Os direitos civis e políticos advêm da visão filosófica ocidental, ligada ao liberalismo, individualismo e ao mercado. Há, com demasiada frequência, 20 ocorrência de conflitos entre grupos locais e instituições nacionais; da mesma forma que o Estado, em alguns momentos, é visto como cúmplice dos ataques externos.

Além disso, ainda ocorrem combates entre determinado grupo local e o nacional, com vistas a assegurar vantagens locais, mormente no que se refere a benesses econômico-financeiras. Noutro plano estão as diversas estratégias contra-hegemônicas oriundas das disputas entre Oriente e Ocidente, outrossim entre Norte e Sul. Tais estratégias muitas vezes ocorrem fora do cenário de complexidade da globalização; caracterizam disputas contraditórias, sem fundamento, revestidas de ambiguidade no que se refere às ações políticas que delas decorrem. Um exemplo dessa contradição é a integração, por parte dos Estados com culturas confucionistas, de suas economias ao sistema internacional. Ghai (SANTOS, 2003, p. afirma que “a Assembleia Geral das Nações Unidas decidiu há muitos anos que a autonomia é uma manifestação de autodeterminação”.

A interferência das Nações Unidas ou de consórcios de Estados na resolução de conflitos internos também promoveu o desenvolvimento do conceito de autodeterminação. Nessa vereda, Ghai assevera: No entanto, o nascimento de novos Estados após o colapso da ordem comunista na União Soviética, na Europa de Leste e nos Bálcãs removeu alguns tabus contra a secessão, e a comunidade internacional parece estar avançando lentamente para algum consenso sobre a ideia de que a opressão extrema de um grupo pode justificar a secessão (SANTOS, 2003, p. Com isso, o aspecto interno da autodeterminação foi reforçado no sentido de justificar a ação do Estado para sufocar a reivindicação de separação, desde que respeitados os direitos políticos e culturais das minorias.

Decisões sucessivas do Comitê interpretaram o artigo como a base para os direitos coletivos das minorias, para a preservação da cultura e do modo de vida de um grupo minoritário e para a proteção e desenvolvimento dos modos de vida tradicionais das minorias (SANTOS, 2003, p. No Comentário Geral Direitos das Minorias (Comentário Geral 23, 1994), o Comitê afirmou que os direitos contidos no artigo 27 (vinte e sete) são diferenciados do direito de autodeterminação, em função de o último constituir um direito pertencente a grupos. Portanto, as queixas referentes às suas violações não são admissíveis à luz do Protocolo Opcional – documento que concede possibilidade aos indivíduos de apresentarem queixas ao Comitê. Posteriormente, a entidade elaborou um comentário mais positivo, permitindo que, em algumas situações, os direitos insculpidos no artigo 27 (vinte e sete) possam ser associados a um território, e.

g. Assevera a Declaração que 25 [. o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, em virtude do qual qualquer pessoa e todos os povos têm o direito de participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, de para ele contribuir e dele desfrutar, e em todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados. Afirma ser a pessoa humana o sujeito central do desenvolvimento, que deveria ser o participante ativo e beneficiário do direito ao desenvolvimento. O Estado, para que os anseios da Declaração sejam alcançados, deve “formular políticas nacionais adequadas ao desenvolvimento, que visem ao aumento constante do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos, com base na sua participação ativa [. A obrigação da comunidade internacional de promover o desenvolvimento consiste numa das afirmações feitas pela Declaração.

TRÍADE DA DECLARAÇÃO PLURICULTURAL DOS DIREITOS HUMANOS A construção da Declaração Pluricultural dos Direitos Humanos tem como elementos o multiculturalismo, o cosmopolitismo e o diálogo internacional, tríade do desenvolvimento e da fundamentação dos direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é considerada como sendo o diploma mais completo e equilibrado de enumeração dos direitos individuais e sociais, contudo não possui força vinculante, porquanto constitui um documento que representa os anseios da Organização das Nações Unidas, elaborado a partir da concepção ocidental de direitos humanos. Ora, é possível universalizar direitos a partir da imposição dos paradigmas ocidentais de dignidade humana sobre todo o globo? É possível adentrar a cultura de diversos povos sem interferir em seus dogmas culturais? Qual a forma de implantar o desenvolvimento, a democracia e as liberdades fundamentais sem desrespeitar o plano cultural dos grupos? O projeto cosmopolita pós-nacional é passível de alcance? Quando que os Estados economicamente desiguais possuirão o mesmo poder de voto nas discussões de caráter internacional? Para compreendermos a problemática que circunda os questionamentos supracitados, valemo-nos dos ensinamentos difundidos por Boaventura de Sousa Santos, Eduardo Bittar e Jürgen Habermas - defensores do multiculturalismo, da cultura cosmopolita e do diálogo internacional -, para predispor a discussão acerca do processo de reconhecimento e instituição de uma Declaração Pluricultural de Direitos Humanos.

O Multiculturalismo Acerca da adoção da expressão multiculturalismo, Boaventura de Sousa Santos anota: 28 [. designa, originalmente, a coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio da sociedade „moderna‟. ii. A tensão existente entre o Estado e a sociedade civil. O Estado moderno apresenta-se como “pequeno interventor”, característica disfarçada, porquanto intervém de forma exacerbada na sociedade civil, com leis que, aparentemente, mostram-se democráticas, porquanto sua produção está em consonância com as regras democráticas de produção legal. A primeira geração de direitos (políticos e civis) constitui o produto da luta da sociedade civil contra as ações violadoras do Estado, ao passo que a segunda e terceira gerações de direitos (direitos econômicos e sociais e direitos culturais), deslocam o Estado para a posição de principal garantidor desses direitos.

iii. A forma de globalização aceitável e legítima é o cosmopolitismo, que recebe em Boaventura um tom claramente emancipatório: Todavia, a intensificação de interações globais pressupõe outros dois processos, os quais não podem ser corretamente caracterizados nem como localismo globalizado nem como globalismo localizado. Chamo o primeiro de cosmopolitismo. Trata-se de um conjunto muito vasto e heterogêneo de iniciativas, movimentos e organizações que partilham a luta contra a exclusão e a discriminação sociais e a destruição ambiental, produzidas pelos localismos globalizados e pelo globalismo localizado, recorrendo a articulações transnacionais tornadas possíveis pela revolução das tecnologias de informação e de comunicação. As atividades cosmopolitas incluem, entre outras, diálogos e articulações Sul-Sul; novas formas de intercâmbio operário; redes transnacionais de lutas ecológicas, pelos direitos da mulher, pelos direitos dos povos indígenas, pelos direitos humanos em geral; serviços jurídicos alternativos de caráter transnacional; solidariedade anticapitalista entre o Norte e o Sul; organizações de desenvolvimento alternativo e em luta contra o regime hegemônico de propriedade intelectual que desqualifica os sabores tradicionais e destrói a biodiversidade.

O Fórum Social Mundial que se reuniu em Porto Alegre em 2001 e 2002 é hoje a mais pujante afirmação de cosmopolitismo no sentido aqui adotado (SANTOS, 2003, p. é útil distinguir entre globalização de cima para baixo e globalização de baixo para cima, ou entre globalização hegemônica e globalização contra- 31 hegemônica. O que eu denomino localismo globalizado e globalismo localizado são globalizações de cima para baixo; cosmopolitismo e patrimônio comum da humanidade são globalizações de baixo para cima (SANTOS, 2003, p. A concepção dos direitos humanos postos como direitos humanos universais, tende a consolidar e, consequentemente, a operar um localismo globalizado, isto é, uma forma de globalização de cima para baixo, alicerçando um instrumento do choque de civilizações, promovendo a construção da arma do Ocidente contra o resto do mundo, haja vista a elaboração ocidental da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Com vistas à sedimentação de uma globalização de baixo para cima ou contra-hegemônica, os direitos humanos devem ser concebidos como multiculturais, o que, por conseguinte, equilibrará a relação entre competência global e legitimidade local, solidificando uma política contra-hegemônica de direitos. É categórica a convicção de que os direitos humanos não são universais em sua aplicação, porquanto todas as culturas estão predeterminadas a considerar os seus valores máximos como os mais abrangentes entre todos os outros; contudo, é característica específica da cultura ocidental formular e impor os seus direitos como se universais fossem. Aumentar a consciência de incompletude cultural é uma das tarefas prévias para a construção de uma concepção multicultural de direitos humanos (SANTOS, 2003, p.

iv) a necessidade de assimilar que todas as culturas possuem versões diferentes de dignidade humana, algumas mais amplas que outras; algumas mais abertas a outras culturas; outras com um círculo de reciprocidade mais largo; Por exemplo, a modernidade ocidental desdobrou-se em duas concepções e práticas de direitos humanos profundamente divergentes – a liberal e a social-democrática – uma dando prioridade aos direitos cívicos e políticos, a outra dando prioridade aos direitos sociais e econômicos. Há que definir qual delas propõe um círculo de reciprocidade mais amplo (SANTOS, 2003, p. v) entender que todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e grupos sociais entre dois princípios competitivos de pertença hierárquica – o princípio da igualdade e o princípio da diferença.

Um – o princípio da igualdade – opera por intermédio de hierarquias entre unidades homogêneas (a hierarquia de estratos socioeconômicos; a hierarquia cidadão/estrangeiro). O momento é de pensar com mais seriedade no projeto de cidadania cosmopolita. Preocupado com os desafios decorrentes da interseção das culturas no atual estágio de globalização, Bittar (2006, p. cita um trecho da obra Ralws e o enigma da justiça, de Luiz Paulo Rouanet, in litteris: Agora que o século terminou, podemos arriscar-nos a uma avaliação. Foi um século que se caracterizou, como previra ou preconizara Nietzsche, pelo fim de todos os valores, ou pela „transmutação de valores‟. Num processo que, naturalmente, já se iniciara muito antes, o século XX viu prevalecer a Realpolitik, a razão pragmática, a adoção da máxima o fim justifica os meios, e quaisquer meios – genocídios, câmaras de gás, bombardeio de civis, bombas atômicas, tortura etc.

À luz destes desenvolvimentos, creio que a tarefa central da política emancipatória do nosso tempo consiste em transformar a conceitualização e a prática dos direitos humanos de um localismo globalizado, em um projeto cosmopolita. O Diálogo Internacional Chegará o dia em que os Estados nacionais debaterão, em voz de igualdade, as discussões de caráter internacional sem que seja considerada a sua condição econômica, a sua influência sob todo o globo? Quando que países subdesenvolvidos serão valorizados como se desenvolvidos fossem? Jürgen 36 Habermas (2001, p. com outras palavras, faz estas mesmas indagações, neste trecho: Independentemente do pano de fundo cultural, todos os participantes justamente sabem intuitivamente muito bem que um consenso baseado na convicção não pode se concretizar enquanto não existirem relações simétricas entre os participantes da comunicação – relações de reconhecimento mútuo, de transposição recíproca das atividades, de disposição esperada de ambos para observar a própria tradição também com o olhar de um estrangeiro, de aprender um com outro etc.

Partindo desse princípio, podem-se criticar não apenas leituras parciais, interpretações tendenciosas e aplicações estreitas dos direitos humanos, mas também aquelas instrumentalizações inescrupulosas dos direitos humanos voltadas para um encobrimento universalizante de interesses particulares que induzem à falsa suposição de que o sentido dos direitos humanos se esgota com o abuso. Habermas se depara com o óbice decorrente da tensão entre o sentido universal dos direitos humanos e as condições locais da sua efetivação, afirmando que devem valer de modo ilimitado para todas as pessoas; posteriormente, pergunta como que se pode solucionar esse problema e assevera (ibidem, p. Por isso, deve-se livrar-se a compreensão dos direitos humanos do fardo metafísico da suposição de um indivíduo existente antes de qualquer socialização e que como que vem ao mundo com direitos naturais.

Juntamente com essa tese „ocidental‟ é descartada também a necessidade de uma antítese „oriental‟ segundo a qual as reivindicações da comunidade merecem precedência diante das reivindicações de direito individuais. A alternativa „individualista‟ versus „coletivista‟ torna-se vazia quando se incorpora aos conceitos fundamentais do direito a unidade dos processos opostos de individuação e de socialização. Porque também as pessoas jurídicas individuais só são individuadas no caminho da socialização, a integridade da pessoa particular só pode ser protegida juntamente com o acesso livre àquelas relações interpessoais e às tradições culturais nas quais ela pode manter sua identidade. O individualismo compreendido de modo correto permanece incompleto sem essa dose de „comunitarismo‟ (HABERMAS, 2001, p. Não apenas com o aspecto da autonomia – o atalho individualista de direitos subjetivos – a concepção europeia dos direitos humanos oferece uma superfície vulnerável aos porta-vozes de outras culturas, mas, do mesmo modo, com o outro aspecto – a secularização de um domínio político desconectado de imagens de mundo religiosas e cosmológicas.

Do ponto de vista de um Islã, do cristianismo ou do judaísmo, compreendidos de modo fundamentalista, a própria aspiração à verdade é absoluta também no sentido de que, em caso de necessidade, ela deve poder ser imposta por meio da força e violência políticas. Essa concepção possui consequências para o caráter exclusivista da comunidade; legitimações religiosas ou segundo determinadas visões de mundo desse gênero são incompatíveis com a inclusão igualitária de adeptos de outros credos (HABERMAS, 2001, p. Nessa vereda, Bittar (2009) assevera que as imposições unilaterais de certos Estados com interesses bélicos, territoriais ou econômicos, seriam bloqueadas por forças comuns dos Estados pertencentes à comunidade internacional organizada, detendo-se o processo de constituição da diferença econômico-tecnológica como único mecanismo de imposição internacional.

A par desta possibilidade de intervenção, ele ressalta que Jürgen Habermas, em mais de uma oportunidade, afirmara que a experiência da ONU tem-se demonstrado incapaz de reproduzir as reais necessidades da comunidade internacional, servindo como “escudo para o protecionismo e o arbítrio de certas potências”, ou, ainda, para a proteção de certas práticas ilícitas de Estados que se apresentam diplomática ou economicamente superiores à própria ordem normativa internacional. Do ponto de vista dos países asiáticos, a questão não é se os direitos humanos, como parte de uma ordem jurídica individualista, são conciliáveis com tradições culturais próprias, mas sim se as formas tradicionais de integração política e social podem ser adaptadas aos imperativos dificilmente recusáveis de uma modernização aceita por inteira.

Ou podem ser afirmados contra ela (HABERMAS, 2001, p. Quanto à questão da distribuição equitativa de poder entre as organizações internacionais e à criação da democracia cosmopolita, Habermas discorre: É preciso ao menos mencionar quatro variáveis importantes para esse contexto: a composição do Conselho de Segurança, que precisa se unir em torno de um objetivo único; a cultura política dos Estados, cujos governos só se deixam mobilizar em prol de políticas „abnegadas‟ a curto prazo, quando têm de reagir à pressão normativa da opinião pública; a formação de regimes regionais que propiciem só então alicerces efetivos à Organização Mundial; e, por fim, a incitação branda a um comércio coordenado em nível global, cujo ponto de partida é a percepção dos perigos globais.

São evidentes os perigos resultantes de desequilíbrios ecológicos, de assimetrias do bem-estar e do poder econômico, das tecnologias pesadas, do comércio de armas, do terrorismo, da criminalidade ligada às drogas etc. HABERMAS, 2002, p. Funcionam como premissas de argumentação que, por não discutirem, dada a sua evidência, tornam possível a produção e a troca de argumentos. A hermenêutica diatópica baseia-se na ideia de que os topoi de uma dada cultura, por mais forte que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem. Tal incompletude não é visível a partir do interior dessa cultura, uma vez que a aspiração à totalidade induz a que se tome a parte ao todo. O objetivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude – um objetivo inatingível – mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua por intermédio de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé em uma cultura e 42 outro em outra.

Nisto reside o seu caráter diatópico (SANTOS, 2003, p. é o que sustenta, dá coesão e, portanto, força, a uma dada coisa, à realidade e, em última instância, aos três mundos (triloka). A justiça dá coesão às relações humanas; a moralidade mantém a pessoa em harmonia consigo mesma; o direito é o princípio do compromisso nas relações humanas; a religião é o que mantém vivo o universo; o destino é o que nos liga ao futuro; a verdade é a coesão interna das coisas. O dharma na cultura hindu, visto do ângulo dos direitos humanos, é incompleto, porquanto oculta injustiças e negligencia o valor do conflito como caminho para uma harmonia mais rica. Ademais, não está preocupado com os princípios da ordem democrática, com a liberdade e autonomia; acaba por esquecer, outrossim, que o sofrimento humano possui uma dimensão individual irredutível.

Na perspectiva dos direitos humanos individuais, a umma na cultura islâmica sobrepõe os deveres em detrimento dos direitos, tendendo a perdoar desigualdades inadmissíveis, como a desigualdade entre homens e mulheres ou entre muçulmanos e não-muçulmanos. Destaca-se ainda, nesse processo, a possibilidade de o multiculturalismo poder ser o novo rótulo de uma política reacionária. Com vistas a eximir tal possibilidade, todos 44 aqueles empenhados na promoção da hermenêutica diatópica devem curvar-se perante 02 (dois) imperativos interculturais. Primeiramente, dentre todas as versões de uma dada cultura, deverá ser escolhida aquela que mais ampliar o reconhecimento do outro; por conseguinte, as pessoas e os grupos sociais terão o direito a ser iguais quando a diferença os inferiorizar, e direito a serem diferentes quando a igualdade os descaracterizar.

Por fim, conclui Boaventura (2003, p. Na forma como são agora predominantemente entendidos, os direitos humanos são uma espécie de esperanto que dificilmente poderá tornar-se na linguagem quotidiana da dignidade humana nas diferentes regiões do globo. Uma variante deste argumento reside na ideia de que só uma cultura poderosa e historicamente vencedora, como é o caso da cultura ocidental, pode atribuir-se o privilégio de se autodeclarar incompleta 45 sem com isso correr o risco de dissolução. Assim sendo, a ideia de incompletude cultural será, afinal, o instrumento perfeito de hegemonia cultural e, portanto, uma armadilha quando atribuída a culturas subordinadas (SANTOS, 2003, p. Por outro lado, o problema dessa argumentação direciona a problemática para duas soluções contrárias ao diálogo intercultural: o fechamento cultural ou a conquista cultural.

O fechamento cultural oculta e aceita a fatalidade de processos caóticos de desestruturação, contaminação e hibridação cultural (SANTOS, 2003). Aqui, as relações de poder e de trocas culturais são sobremaneira desiguais, implicando, da mesma forma, um tipo de conquista cultural. Promover as versões culturais amplas, em detrimento das versões estreitas. As culturas possuem uma miríade de tendências, cada uma caracterizando as relações interculturais a partir do seu ponto de vista. A versão cultural escolhida deverá representar o círculo de reciprocidade mais amplo, no que se refere ao reconhecimento do outro. Partilhar o tempo do diálogo intercultural com o objetivo de elaborar a Declaração Pluricultural de Direitos Humanos. Cabe a cada comunidade cultural decidir quando está pronta para o diálogo intercultural (SANTOS, 2003).

Transformar as alternativas “igualdade ou diferença” em “igualdade e diferença”. O princípio da igualdade deverá ser utilizado em conjunto com o reconhecimento da diferença, com vistas a evitar trocas sistematicamente desiguais entre indivíduos ou grupos formalmente iguais, como ocorre na exploração capitalista dos trabalhadores e na hierarquia entre diferenças consideradas primordiais – no racismo e no sexismo, por exemplo. Para a hermenêutica diatópica “temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza” (SANTOS, 2003, p. CONCLUSÃO A Declaração Pluricultural de Direitos Humanos poderá ser caracterizada como um diploma quimérico, inalcançável, uma utopia, considerando as problemáticas decorrentes da relação Ocidente-Oriente, Norte-Sul. É indubitável constituir, a atual concepção de direitos humanos, um localismo globalizado imposto pela cultura ocidental a todo o globo.

– São Paulo: Saraiva, 2008. BITTAR, Eduardo C, B. Direitos Humanos no século XXI: cenários de tensão. Organizador: Eduardo C. B. Tradução: Márcio Siligman Silva. São Paulo: Littera-Mundi, 2001. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução: George Spencer e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Cortez, 2007. ANEXOS ANEXO A – Declaração sobre o direito ao desenvolvimento 51 52 53 54 ANEXO B – Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas 55 56 57 58 ANEXO C – Pacto dos direitos civis e políticos (1966) 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 TERMO DE AUTENTICIDADE DO TRABALHO DE GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR (TGI) Eu, Yokanaã Ferreira Júnior, Aluno regularmente matriculado no Curso de Direito, na disciplina do TGI da 10ª etapa, matrícula nº 4098431-1, Período Noturno, Turma R, tendo realizado o TGI com o título: Declaração Pluricultural dos Direitos Humanos, sob a orientação do professor: Orlando Villas Bôas Filho, declaro para os devidos fins que tenho pleno conhecimento das regras metodológicas para confecção do Trabalho de Graduação Interdisciplinar (TGI), informando que o realizei sem plágio de obras literárias ou a utilização de qualquer meio irregular.

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