O Ciclo dos Rebeldes: processos de mercantilização do rap no RJ

Tipo de documento:Revisão Textual

Área de estudo:Pedagogia

Documento 1

Sou grato à minha orientadora professora Maria Tereza Goudard pela generosidade e ao amigo André Queiroz por toda força. Agradeço também ao companheiro Alvaro Neto por ter me inserido na Faculdade de Formação de Professores e me apresentar um novo universo e por também acreditar no meu trabalho. Agradeço a todos os entrevistados, ainda que venham a discordar de minhas interpretações. São eles: Fábio Broa (roda cultural do Méier), NJ Sallez (roda cultural da Ilha do Governador), De Leve, Maurício do grupo Carta na Manga, Thiago Pombal (Jorai), Jonatan Ferreira e DJ Sardinha (roda cultural de Vila Isabel), Dropê e MV Hemp do Comando Selva, Leonardo Mannarino (GoriBeatzz), Ramiro Mart, Iky Castilho, PH Stelzer (Ganja Filmes), Cavi Borges, Emílio Domingos, Ton Gadioli, DJ Castro, DJ Érik Skratch, DJ Machintal, DJ Tamempi, Airá o Crespo, 3030, Antiéticos, Bacon, Black Alien, Dom Negrone, Edu, DJ Seu Zinho e Gas-pa (Filhos do Gueto), Funkero, Gabriel o Pensador, Gerard Miranda, Lepô, Mahal, Marcão Baixada, Marcelo D2, Mateus Pinguim, Néctar Gang, Oriente, OZ, Ozama, Filipe Ret, Rico, Shackal, Sain, Faruck e Shock (Start), Wallace Carvalho, Zona Verde, Aline Pereira, Babi, Bebel du Guetto, Edd Wheeler, Elza Cohen, Lola Salles, Negra Rê, Rôssi Alves, Maolee, Papatinho, Bruno Tomba, 2F (U-Flow), Mr.

Break, DuBrown, Damien Seth, Vinicius Terra, Djoser Botelho, Pirra, Gordo (Batalha do Tanque), Gel, BZ Moraes, Lexo (Eu Mermo), DG dos Santos. To locate the architecture research, we study the recent carioca rap culture, its growth and legitimation at the cultural sphere in Brasil as part of young’s consumer society, its exponential commodification from artistic power with the rebel’s protest music history to a simple brand at the consumer market as an abrasive and homogenous way to solve conflicts inherent the contemporary class struggle. In a methodological view, we used filmed interviews to look forward grounding to our proposed objectives, our investigative path and concept analysis, as well, to show audience some changes occurred at rap style like the metamorphosis of MCs as important figures at an protest era to the MCs professionalization, here as an adapted figure at the cultural market and rap musical comes to be consume by all the youth, no matter its cultural field.

As result of our filmed and investigative research, we assume that rap’s automation as one Hip Hop element, in a master look, is a result of the commodification of the culture that flows in a break with the classical Hip Hop master pillars that forged it concepts in the past with political tendencies, to adapt itself at all the spheres of our society nowadays. Keywords: rap, rhythm and poetry, commodification of rap’s culture, rio de janeiro, Hip Hop and rap cultural movements Lista de ilustrações: Figura 1 – Roda Cultural do Méier 2014. Figura 2 – Roda Cultural de Vila Isabel. Figura 13 – Nissin. Figura 14 – Grupo 3030. Figura 15 – Centro Interativo de Circo (Fundição Progresso). Figura 16 – Capa do disco Cultura de Rua. Figura 17 – Capa do disco Tiro Inicial. Figura 28 – Roda Cultural de Icaraí. Figura 29 – Roda Cultural de Icaraí.

Figura 30 – Banda da Guarda Municipal. Figura 31 – Guarda Municipal proíbe venda de bebidas. Figura 32 – Gil Metralha na Roda Cultural do Méier. A burguesia criminaliza o rap. O rap como literatura marginal. As transformações do rap. Relações de mercado. Superando a crítica vulgar. Adaptando-se à sociedade de consumo. O Quinto Andar. Da organização. O golpe. CAPÍTULO III O problema da ideologia no rap e o fetiche da mercadoria. de Romário. CAPÍTULO IV As rodas de rima e os usos da cidade. Conhecendo o campo. As rodas de rima e a função do público. A fetichização do MC. O governo trabalha com a hipótese do tempo, como se este lhe fosse aliado no acerto, no erro e no encaminhamento das questões, toda a contestação rejeitada como estreiteza, adversária, no jogo situação-oposição da luta pelo poder.

A simpatia por semelhante conduta infiltra-se na vontade geral, uma vontade que, depois da publicidade, cada vez quer menos e se revela menos autêntica. A mentira funciona de tal maneira na gangorra das interpretações que, com frequência, a impressão inicial, frente à experiência, ganha conotações de delírio, o próprio delírio, com efeito, significando a verdade assumida e reconhecida pela maioria. Isso explica a cegueira que, eventualmente, toma conta das consciências, determinando convicções que, tempos depois, parecem inconsistentes, quando não absurdas e desprovidas de sentido. A Indiferença pós-moderna Ronaldo Lima Lins [12] Apresento aos possíveis leitores deste trabalho dissertativo uma continuação da pesquisa que venho desenvolvendo sobre a cultura hip hop que teve início em 2009 como meu tema de TCC intitulado “Uma Liberdade Chamada Solidão”, monografia apresentada como trabalho final de curso de História na Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2013.

Por isso busquei organizar algumas discussões, mas sem perder de vista as produções fílmicas sem as quais nada seria possível. É preciso uma reaproximação e este trabalho vai na intenção de contribuir para oxigenar determinados debates decisivos para a sobrevivência do rap e das culturas de resistência urbanas de uma forma geral. O mais importante não é celebrar cegamente a cultura Hip Hop como se não houvesse contradições, mas reconhecer sua importância social numa sociedade cindida entre classes com interesses antagônicos inconciliáveis e que reproduz no seu interior boa parte das contradições presentes no campo social. É preciso reconhecer que essa cultura sofre todas as forças e interesses que fazem parte da sociedade capitalista. Nada lhe escapa. Ocupar um espaço público sistematicamente é a prova material do crescimento e amadurecimento da cena carioca.

Conta-se hoje quase 200 rodas no estado do Rio de Janeiro. Tudo isso começou lá atrás, quando o CIC (Centro Interativo de Circo) que funcionava na Fundição Progresso foi incendiado possivelmente de forma criminosa por conta da resistência ali perpetrada por Gerard Miranda, assunto abordado no meu novo filme O Som do Tempo. Na falta de um espaço os rappers começaram a rimar ali mesmo na rua em frente à Fundição. Ali tinham pessoas centrais que plantaram a semente como MV Hemp e Dropê, mas muitos outros, claro, que já organizavam eventos como A Tradicional Batalha do Real, Zoeira, Liga dos MC´s. Em outras palavras, não haveria História e, sim histórias “de” e “para” determinados grupos definidos por dadas posições – constituindo, estas, “lugares de onde se fala” -, o que significa que, ao escrever, um historiador se dirigiria, na realidade, a um destes grupos, aquele que partilhe com ele as premissas que constroem o seu discurso.

Existiria, então, uma história das mulheres, uma história dos negros, uma história dos homossexuais, uma história construída em torno de interesses ecológicos, em relação a Chipre uma história grega e outra turca etc. Isto supõe uma sociedade fragmentada em subculturas, numa ausência de horizontes holísticos, coletivos, bem como da possibilidade de qualquer tipo de mobilização global. Daí todo o esforço feito desde 1974 e ampliado em 1989 para destruir um “grande objeto” da História como a Revolução Francesa: estuda-se a revolução no quotidiano, como festa, como ritual, como cultura, ao mesmo tempo que ela é descaracterizada como revolução social. Na verdade, trata-se neste caso, somente de uma parte do esforço maior no sentido de [15] demonstrar que todas as revoluções são grandes equívocos, já que só realizam, com enorme custo, o que de todo modo aconteceria ou já estava acontecendo.

Mas há um elemento aí que há que ser preservado que é a resistência. Se não se resiste contra o sistema capitalista, resiste-se contra o que? Contra um governo ou outro? Se essa for a saída, infelizmente não teremos mudanças significativas. Qualquer observador minimamente atento [16] constata a total impossibilidade de mudança pela via parlamentar burguesa. Mas não é tão fácil assim resistir contra o sistema, um sistema organizado burocraticamente, com uma jurisdição voltada contra os interesses dos subalternizados e uma estrutura coerciva altamente eficaz. É preciso compreender o tal sistema para que possamos atuar contra ele. Não há qualquer garantia que os conhecimentos produzidos possam ser melhor compartilhados e apresentados à sociedade de uma maneira geral. A universidade opera no sentido da produção, não da qualidade.

Os programas de pós-graduação mais se parecem com máquinas. São máquinas produtivas e que defendem obviamente um interesse de classe. Por isso a luta na universidade deve ser permanente e ela só fará um sentido social mais amplo quando for realmente popular, aberta a quem quiser ocupar, discutir e produzir conhecimento. O debate sobre a emancipação do negro adequou-se à inclusão no jogo de poder da representatividade. Este é um problema importante a ser analisado. Por isso o empreendedorismo funcionou como uma verdadeira armadilha para as cenas do rap, pois não mostrou o seu lado excludente e desleal pois as frações em disputa estão em condições adversas numa eterna luta contra o seu semelhante. O estranhamento, ou o fetiche, produzido aí reflete-se na prática no rap como um estilo de vida, assim como nas produções, nas letras, etc.

A cultura é também trabalho. São doze anos de inserção no campo1, tempo de estudo, leitura, produção fílmica, muita pesquisa e trabalho no campo. Este trabalho também é uma forma de socializar reflexões e estudos. Assim sendo entendo que esta pesquisa é fruto de um trabalho coletivo, pois as trocas e ensinamentos que tive nas ruas me estimularam a produzir estas reflexões sendo parte de todo um acúmulo cultural e que não está livre de contradições ou equívocos. Devo dizer também que muitas pessoas são participantes na medida em que deram seus depoimentos para os filmes que produzi; depoimentos estes que me servem de base para fundamentar o trabalho e refletir pormenorizadamente sobre a cena ou que simplesmente me ensinaram algo para além do meu senso comum.

Foram importantes nesse processo os camaradas do Comando Selva, principalmente MV Hemp e Dropê por quem guardo respeito e admiração. figura 2 - Roda Cultural de Vila Isabel (2014) – Foto de Arthur Moura Com relação à inovação somente os efeitos gerados pela obra ou não ao longo do tempo poderão dizer. O que proponho aqui é a continuação de um debate já iniciado anteriormente em diversos âmbitos culturais que carece de investigação sistemática e crítica no rap. figura 3 - O caminho da pesquisa – foto Arthur Moura (2014) O rap se manifestou de diferentes formas ao longo dos seus anos de existência. Os diferentes contextos sócio-histórico e político também determinaram e determinam suas manifestações e transmutações, fatores importantes para análise.

Nenhum vácuo, portanto, em sua história. O principal mote dos rappers, a ascensão social, é uma das inversões elementares da cultura. Ao passo que se critica a pobreza se coloca como alternativa a ela o trabalho em sua versão meritocrática, alienado e fetichizado pelo processo de reprodução do capital. O rap não foge das relações e contradições da sociedade burguesa, ora apoiandoa, ora repelindo os seus valores muitas vezes numa difícil estratégia de mercado e sobrevivência, outras vezes afirma valores burgueses por puro oportunismo. O compromisso firmado com o mercado o obriga a concessões a nível das re-posições e re-posturas comprometendo suas virtudes. A sociologia de modo geral e a sociologia da cultura de modo mais específico ainda não se apropriou ou não se aproximou dessa cultura afim de melhor compreendê-la.

Nada disso nos livra dos interesses de classe que qualquer pesquisador reproduz ao produzir determinado conhecimento geralmente relacionado a um campo teórico. A minha tentativa aqui, mesmo dentro de todos os limites, é de uma análise implicada e [22] comprometida com a luta da classe trabalhadora e da cultura negra. Se esse objetivo aqui foi concluído estou satisfeito. A estrutura da Dissertação foi organizada da seguinte forma: no capítulo I a questão central a ser discutida é a crítica e o compromisso no rap; procurarei evidenciar que crítica é essa construída pelos rappers, que algumas vezes denominarei aqui como crítica vulgar, e seus limites. Para Marx, crítica tem um duplo significado, como bem coloca o professor Zé Paulo Netto numa de suas aulas ministradas na UNB(2016) sobre o método em Marx.

Me interessa a discussão e reflexão sobre a cena do rap no Rio de Janeiro e suas contradições, relações de poder e domínio, seus projetos, ideologias e o processo de fetiche da mercadoria. A apropriação do capital resultou não só em mudanças de linguagem do rap, mas, sobretudo, em inversões e mudanças estruturais na cultura Hip Hop em geral tendo como consequência a alienação ou se quiser o estranhamento dos próprios elementos da cultura como o graffiti, break, DJ, o MC e o conhecimento. Buscarei demonstrar este processo ao longo do texto destacando o rap como elemento de análise privilegiado. Para melhor perceber essas transformações há de se focar na cena do rap e com os olhos atentos a todo o contexto social residindo aí nossa maior dificuldade.

Concordo que muitos fatores favoreceram uma forte ascensão do rap, mas a um custo alto. Figura 5 – capa revista da Folha O primeiro meio de neutralizar uma força de caráter rebelde e emancipatória é através da captura que pode ser feita de forma cultural, política ou econômica. O que complementa a rebeldia e dá sentido a ela é justamente o seu caráter emancipatório, ou seja, coletivo, autônomo e que segundo Adorno(1995) está intimamente ligado à educação como forma de evitar que novamente se efetive a barbárie dos tempos dos totalitarismos. A educação forma o indivíduo desde o seu nível primário. Mesmo que essa educação não interfira diretamente na consciência daqueles que ditam a norma na sociedade, as condições criadas podem interferir diretamente na consciência daqueles que executam as ordens superiores desestabilizando o sistema de poder hegemônico.

Em última instância a captura significa a neutralização desse viés emancipador. A captura pós-moderna A consequente perda da consciência de classe acompanhou-se do fracionamento da organização social do trabalho devido ao avanço do capitalismo e sua consequente exploração da mão-de-obra assalariada. No campo filosófico na falta de uma orientação que aponte para uma perspectiva revolucionária há a busca em desqualificar o marxismo sem explorar a fundo os debates teóricos e pragmáticos sobre a teoria marxista e seus impactos na vida social mais ampla. As teorias pós-modernas deixam de lado conceitoschave como luta de classes com o intuito de investigar a exaustão os sujeitos que muitas vezes, diante dessas análises, estão descolados de relações estruturais que formam a condição subjetiva na sociedade capitalista.

Outra perda foi o abandono da categoria de totalidade, central no pensamento marxista. O estruturalismo é a expressão notável desse viés filosófico que ganhou força na década de 60 na França. O poder em nosso tempo manifesta-se em caráter flexível produzindo o convívio com novas formas de submissão. O poder se tornou mecânico, racional, funcional, classificatório, normatizador. Ele tem o caráter produtivo, financiador em termos de força a ser empreendida para produção de determinado valor. Em busca do compromisso O problema de pesquisa aqui analisado é na verdade um conjunto de problemas, que relacionados e entendidos a partir das relações sociais de poder, passa a nos apontar para determinado sentido político que influencia diretamente na produção das expressões artísticas.

Muito embora haja necessidade de retrocedermos historicamente me interessa analisar as variações e não simplesmente como as coisas são em sua suposta essência. KURTIS, Elton. A origem do hip hop e o seu compromisso. Por isso, de alguma forma elucidar o processo de formação subjetiva das diferentes gerações e de como, por exemplo, se transformou o mercado assim como um olhar crítico sobre o panorama atual e possíveis soluções para problemas levantados torna-se algo necessário. Buscarei elencar as especificidades do rap identificando porque se tornou um elemento não só central, mas autônomo com relação aos demais como graffiti e o break. Figura 6 - DomNegrone – foto Arthur Moura (2014) Do ponto de vista de sua constituição, o rap é a conformação de diversos elementos.

O nosso desafio está em repensar para que num segundo momento possamos refundar uma ética situada a partir do confronto direto contra o capitalismo, os Estados e aparelhos jurídicos, instituições e forças coercivas. A partir de quais critérios podemos elencar questões que possam de fato contribuir para o avanço na construção de uma cultura que se paute em posição de enfrentamento contra a ordem que aqui se faz valer? Como podemos modificar de alguma forma as relações de força a níveis perceptíveis que enfatize o confronto de classe como resultante do sistema econômico que aí se põe criando condições favoráveis a mudanças e novos projetos sociais? Os critérios que podemos elencar diz respeito ao caráter político da cultura Hip Hop, abrindo possibilidade para pensá-lo (e o rap por conseguinte), dentro de campos múltiplos de enfrentamento sem que seja o mercado 3 “Estilisticamente a música rap situa-se de forma compreensível entre o moderno e o pós-moderno, ao servir-se das técnicas pós-modernas do sampling, da citação e da colagem de vários sons para propósitos modernos de auto-expressão, articulando crítica social e rebelião.

O rap tem uma relação muito estreita com as tecnologias musicais e pode ser visto como uma forma de tecnocultura, visto que, apesar de depender muito da voz e da dicção para os seus efeitos, a sua produção envolve o uso hábil das novas tecnologias musicais. Ainda que o hip hop originário parodiasse a sofisticação técnica do disco através da versátil manipulação técnica dos gira-discos pelos DJ´s e algum rap inicial fosse tecnicamente primitivo, o rap tardio evoluiu para uma complexa tapeçaria de som, utilizando o sampling, a sobreposição de pistas, computadores e toda uma panóplia de sofisticadas técnicas de mistura. Não existe, com efeito, muita música “real” ou “original” no rap, mas batidas básicas de percussão e riffs de guitarras sobrepostos com sons gravados.

E depois disso, depois do show eu continuei indo lá. Conheci um pessoal lá e tal. E eu fiquei lá um tempo e eu peguei também a gestão da Erundina que levou o hip hop pras escolas, né. Chamava repensando a educação, rap, pensando a educação, de erguer. E o Racionais tinha se projetado na primeira coletânea, o DMN (Defensores do Movimento Negro), FNR (Força Negra Radical). Poderíamos pensar que este seria um bom terreno para se [33] “lavar a roupa suja” no seio da cultura Hip Hop, ou seja, mandar o papo reto com o objetivo de resolver divergências políticas ou ideológicas ou que pelo menos se colocasse favorável a isso agregando ao invés de separar. Dessa forma expandiriam suas consciências a um nível adiante, emancipado, transformado, fortalecendo a coletividade, claro se isso tudo for pensado dentro de um contexto social onde o rap insere-se como linguagem e uma postura anticordial com relação aos esforços da classe dominante em neutralizar as expressões culturais da favela e dos negros.

Sousa (2012) em seu livro A Anticordialidade da República dos Manos trata dessa questão na cidade de São Paulo. Este esforço reforçaria ainda mais as bases da cultura assegurando a sua sobrevivência e avanço e sua busca por independência. No entanto, a diss não funciona como crítica ou auto-crítica, mas como mecanismo para se criar e proliferar polêmicas ocas ou simplesmente alimentá-las através de ataques e auto-afirmação. A formação identitária do rap RJ não se deu como um simples antagonismo com relação ao que já havia sendo feito na capital paulista desde a década de 80. Muitos rappers cariocas como MC Marechal, Funkero, Black Alien, BNegão, Shawlin, Antiéticos, Oriente, etc. têm suas redes estabelecidas com o contexto paulista.

O rap paulista no entanto enseja ainda hoje mesmo diante de todo um conjunto de contradições um forte caráter anticordial. Segundo Sousa (2012, p. Bandas como Nirvana, Rage Against the Machine, Faith no More, Alice in Chains, Primus, Soundgarden, Pearl Jam, Green Day, Blink 192 (novo punk pop), Planet Hemp, O Rappa, Mamonas Assassinas, Titãs, Charlie Brown, Raimundos, Sepultura, Marilin Maison, System of a Down, Slipknot, Tupac, Notorius Big, Body Count, Brujeria e diversos outros ganharam visibilidade não só como banda, mas muitos também como marcas que comporiam um mercado maior. Longe das gravadoras, o rap no Brasil começa a surgir como segmento independente. A partir da década de 90 transformações importantes ocorrem impulsionando novos estilos. Ainda assim, o mercado industrial cultural direcionava seus investimentos em segmentos que muitas vezes sequer dialogavam com o rap.

A [35] não ser bandas já consagradas como Rage Against the Machine ou Limp Biskit que traziam o rap em sua roupagem, mas ainda assim, o que surgiria seria diferente. ” Esse período de crise atingiu sobremaneira o pobre e o precariado. Em “A Formação dos Sujeitos Periféricos”, Tiarajú (2013, p. coloca da seguinte forma a partir da sua própria experiência: Naquele começo de 1994, o neoliberalismo começava a entrar forte nas periferias. O desemprego crescente fazia aumentar a informalidade. Já existiam os catadores de material reciclável e outras formas de se virar para viver, espécies de saídas de emergência calcadas na necessidade, se quisermos utilizar o título de um livro recente sobre o assunto. Como consequência, o aumento das diferenças entre países pobres e ricos aumentou aumentando a dependência de países pobres.

Os países ricos, por sua vez, quando não estabeleciam relações de dependência com países pobres em crise, aproveitavam-se desses da forma que melhor lhes conviam. Não podemos deixar de observar também que as décadas de crise (ou a década perdida como preferem alguns autores ao se referir à década de 90) fomentavam uma onda separatista principalmente em países do ocidente, como Grã-Bretanha, Espanha, Canadá e Bélgica. Já os países do Leste Europeu se viram na mesma situação a partir de 1991, com o fim da URSS. Esse movimento separatista era muito mais resultado de um egoísmo econômico do que a vontade de se estabelecer novos territórios independentes. Hegel sugere que os resultados sociais, ou seja, suas configurações concretas da realidade sofre uma interferência direta dos interesses e paixões do gênero humano.

Ainda assim, as formas determinantes obedecem, segundo Hegel, “a uma coisa diversa daquilo que eles (os homens) projetam e atingem, daquilo que eles sabem e querem imediatamente. ” Essa certamente é uma condição verdadeira visto a dinâmica social como resultado das disputas entre as forças que compõem a sociedade. No entanto, a sua leitura sobre o Estado, que prevalece até os dias atuais, o coloca acima dos antagonismos de classe. Para Hegel, diz Tragtenberg(1986, p. Em decorrência disto, todo o Estado reflete em sua estruturação e características o domínio de uma classe ou, o que é mais comum, o domínio de uma aliança de classes, as quais submetem a seu império os demais segmentos sociais. Esta aliança entre classes dominantes não é, porém, algo estabelecido sem a existência de contradições entre elas, pois nunca o poder é distribuído de maneira idêntica entre as classes dominantes.

Sempre existirá no interior do bloco do poder, constituído pelas classes dominantes, uma que deterá em suas mãos a hegemonia desta aliança. Em decorrência disto, embora o Estado goze de certa autonomia em relação às classes que o dominam, não tem força política em si mesmo, mas, sua força emana das classes sociais que o compõem. Ele apenas articula, institucionaliza e dá um caráter público a estas forças. Não é um suplemento do mundo real, uma decoração que lhe é acrescentada. É o âmago do irrealismo da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos -, o espetáculo constitui o [39] modelo atual da vida dominante na sociedade. É a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o consumo que decorre dessa escolha.

Forma e conteúdo do espetáculo são, de modo idêntico, a justificativa total das condições e dos fins do sistema existente. E sabemos pois, que essa violência que surge contra os [40] rappers e demais artistas de setores favelados age de forma mais direta com todo o fascismo perpetrado principalmente pela polícia militar que historicamente são os carrascos dos invisíveis. A história do Rio de Janeiro é marcada pelo traço forte de uma violência histórica que nas mãos do Estado historicamente serviu para garantir as expansões dos mercados e da circulação de mercadorias em paralelo a repressão brutal contra setores empobrecidos que empreenderam lutas de resistências ou que simplesmente ocuparam territórios que não lhes pertencia segundo a lógica privada do Estado.

A criminalização quase nunca se dá sem o uso direto da violência física. É preciso salientar que a violência é, sobretudo, seletiva. Quando a repressão se dá contra setores privilegiados as regalias jurídicas garantem o direito de quem detém maior poder político e econômico. Mas eu pergunto: a que ponto chegamos? Desde quando hip-hop, rap e funk são cultura? Se essas formas de expressão merecem ser divulgadas com o uso de dinheiro público, por que não incluir na lista o axé, a música sertaneja ou, quem sabe, até cursos para ensinar a dança da garrafa? O axé, ao menos, é criação nossa. Ao contrário do hip-hop, rap e funk, que nasceram nos guetos norte-americanos. Na última quarta-feira, em meu comentário diário na rádio BandNews FM, tomei a liberdade de dizer o que pensava sobre esse lixo musical que, entre outros atributos, é sexista, faz apologia à violência e dói no ouvido.

Para quê? Imediatamente a caixa postal eletrônica da rádio foi inundada por protestos tachando-me de racista e fascista. Sei, sei. Por outro lado, as contradições que existem em todas as culturas como a questão do machismo e da misoginia deixam de ser analisados virando uma arma contra o próprio movimento e não em tentativa de superação dos seus limites. O rap como literatura marginal O Hip Hop tem a característica de se apropriar de diversos elementos de linguagem dando a esses campos sentidos e significados servindo como suporte estrutural da cultura. A literatura e o cinema são dois desses campos intimamente ligados ao Hip Hop e à sua principal vertente, o rap. Este, apesar do seu teor oral, tem como forte característica relação com a literatura.

Trata-se de uma literatura oralizada, se assim podemos dizer, pois não só suas temáticas originam-se e bebem de um já extenso empenho de diversos campos literais, mas sua busca e inspiração refletem questões presentes na realidade material concreta, conflituosa e dinâmica. Em “Vozes Marginais na Literatura”, a antropóloga Érica Peçanha do Nascimento discute a formação desse segmento a partir de suas experiências sociais. Diz a autora (2009:123) Foi possível apreender, a partir do discurso dos autores, que há também várias versões nativas para o sentido da associação do termo marginal à literatura, de modo que o uso da expressão literatura marginal por escritores da periferia é uma referência: à origem socioeconômica dos escritores; à temática dos textos que buscam evidenciar as práticas, o linguajar, o estilo de vida dos moradores das periferias urbanas e membros de classes populares; à preferência por um tipo de linguagem que se contrapõe aos códigos escritos tidos como cultos; e a uma série de obras que não receberam legitimação por parte da crítica especializada ou que estão sendo produzidas e divulgadas à margem do grande corredor editorial.

Figura 9 – Ferréz – autor desconhecido [44] As transformações no rap A negação do estilo que nascia não se refletia nas regiões pauperizadas dos grandes centros urbanos onde a cada dia o rap ganhava mais força. Sua identidade se forjou frente às exigências da vida cotidiana daqueles economicamente desfavorecidos. Com o início dos anos 2000 tudo começa a mudar. Tipo assim, hoje em dia você ouve rap, gosta de rap e rapidinho tu grava qualquer coisa. Naquela época não era tão fácil gravar. Eu lembro até que cheguei numa época e tipo assim nego ‘pô, vamos num estúdio um dia!’ Aí eu lembro que, pô, aí eu já fazia de brincadeira, mas não tinha nada gravado, aí depois eu lembro que eu tava pra terminar meu segundo grau.

Aí eu larguei um pouco o rap. Larguei porque não era profissão, era só amador. não era ser non sense, mas era fazer uma parada tipo assim, porra eu posso fazer a música pra nego curtir, sabe qual é? Pra neguinho zuar, pra rir, pra se divertir. e pode ser rap, pode ser manero e não precisa ser disso e daquilo. Posso falar sobre qualquer coisa, [45] posso falar da vizinha. A idéia era essa mesmo, eu tinha essa idéia. Eu acho até que a partir do que a gente fez o jogo mudou, cara. Em São Paulo, entre muitos outros, Dheeny (que particularmente foi importante para a minha carreira), Munhoz, DJ Caique, Renan Samam, Nato PK; no Rio, Goribeatzz, Machintal, 5 6 Faixa, música. Instrumental do rap.

Papatinho, Damien Seth, Maolee, DuBrown, 2F; em Curitiba, Nave, Dario, Laudz, etc, são apenas alguns exemplos de nomes da produção. A organização de eventos tanto privados como públicos também ganha destaque nesse período, já que houve continuidade e uma organização sistemática que garantiu os espaços ocupados e um público cada vez maior. Debateremos isso adiante no capítulo sobre as rodas de rima. Veremos no capítulo II que a função de alguns MC´s mais antigos da cena é também contribuir para uma espécie de coesão de grupo mesmo implicando diversas contradições no seu interior. Estes MC´s também formulam máximas e ideologias que por fim conformam-se na forma-mercado questão que será abordada no capítulo III.

Figura 11 - O Som do Tempo – depoimento Marcelo D2 (dir. Arthur Moura) Relações de mercado A leitura e a defesa que se fez desde a cultura Hip Hop de uma forma geral foi favorável a uma maior aproximação com o mercado. Diz-se muito no rap que este aumento propagandístico é favorável a todos da cultura, beneficiando-os em diferentes escalas. ” Gustavo Tristão, diretor de conteúdo “Eu acho que a partir do momento que tem gente que pode representar o Hip Hop e contar a sua realidade independente de qual seja o veículo de [48] comunicação da mídia, o canal de TV ou a emissora, acho que o crescimento dos artistas de rap da arte do Hip Hop também possibilitou isso. Então acho que é normal, é um sinal de que o rap simplesmente seguiu a evolução de todas as outras coisas.

” Max BO “Tem que ir pra mídia, aparecer. Quanto mais gente ouvir seu trampo é melhor. ” “Quando os judeus donos do entretenimento do Brasil quiserem ganhar muito dinheiro eles vão nos ajudar. Em troca seria necessário um espaço, por menor que fosse e que ao mesmo tempo contemplasse certos aspectos daquilo que se pretendesse veicular. Esse espaço não precisa ser protagonizado pelo negro pertencente à classe trabalhadora ao passo que quando este ocupa um lugar de destaque midiático sua posição é de uma forma geral acrítica com relação às grandes corporações. Dentro dessa produção de um sentido midiático e propaganda construiu-se também a ideia de uma correlação de [49] forças possível que proporcionasse uma aparição de fato crítica quando o que se privilegia são os aspectos vendáveis de uma mercadoria e não evidenciar contradições com risco de fechar-se portas.

Por mais que certas brechas possam existir esta se compromete na medida em que se quer produzir líderes, personalidades ou astros, que valorizarão consideravelmente os seus cachês na medida em que mais estreitamente se relacionam com grandes corporações. Com isso, desestimula-se não só o pensamento crítico, mas a construção de redes que pense uma comunicação articulada a favor dos próprios agentes da cultura como protagonistas de uma coletividade que se coloque desde seu lugar num confronto político não deixando subtendido os seus valores e intenções. Não aceito o convite, não negocio com vocês, não me procurem mais, esqueçam o meu nome. Ah, vocês patrocinam a apartheid brasileiro. Bando de [50] racistas! Tirem o nome de Nelson Mandela dos noticiários sujos de vocês! Ufa! Me sinto melhor agora! Figura 12 - GOG Superando a crítica vulgar Dessa forma compreendemos que ao mesmo tempo em que o rap se constitui historicamente como uma linguagem anti-cordial e crítica à sociedade capitalista é preciso observar o processo histórico para empreendermos uma nova categoria de crítica a ser revisitada pelo rap visto o esvaziamento desse conceito ao longo do tempo por parte dos rappers, sobretudo os mais enquadrados na lógica da competitividade e do empreendedorismo.

O rap ao mesmo tempo em que se aproximou das mídias e mercantilizou seus produtos desenvolveu um fazer mercado ágil principalmente com o uso de ferramentas como as tecnologias muito hábeis nas mãos das gerações mais recentes. A geração dos anos 10 incorporou ao rap o seu caráter explosivo de massa ao mesmo tempo em que se desvinculou das grandes distribuidoras e isso não é uma exclusividade do Rio de Janeiro. Em outras palavras, o artista paga para trabalhar. “Fazer no amor” quer dizer que aquele que faz é o que arca com todo o conjunto de despesas da produção artística. Dessa forma, o artista é duplamente explorado, pois ele paga pela sua própria experiência estabelecendo uma relação alienada com o trabalho produzido.

Isso mostra o quão desigual é o campo que se insere. Por outro lado, a fatia reduzida que goza de certo prestígio na cena e guarda respeito às leis de mercado encontram-se acima na hierarquia da arte pois, ela concentra a maior parte dos investimentos. O cara começa a fazer de tudo. E, no entanto, o cara no caminho vai aprendendo como vai lidando e de que maneira ele vai tá organizando essas áreas. Eu acho que a produção hoje em dia, essa produção “independente” tá aprendendo a ganhar dinheiro, por exemplo, não necessariamente com a música, assim a relação de grana. A rapazeada da Cone os moleques estão vendendo boné, blusa a rodo! A rodo. Então, isso ainda é produção independente com a música.

Você não precisa ter uma loja. Você precisa ter duas pessoas trabalhando contigo, um programador e um gerente de estoque, mandando as paradas. Isso pode fazer propaganda pro Brasil inteiro. Eles podem estar associando isso a todos os nossos clipes. Então é isso. Falta conteúdo de qualidade, falta música boa, bem produzida, trabalhos que tem um início, meio e fim, sacou? Lógico que nunca tem fim, mas que tem uma proposta ali sólida, sacou? E continua. Nissin – Uma das músicas nossas que mais tem exibição no youtube é Vagabundo e a Dama. Que é uma música que fala de amor, já ouviu o som? Arthur Moura – Já, já. o Chino que escreveu, né? [53] Nissin – Chino, genial. Eu achei genial o som. Figura 13 - Nissin – Entrevista dia 13/3/2012 Até Quando Brasil Colônia é faixa de 2011 do disco Desorientado e reflete a leitura política do grupo naquele momento.

LETRA: “Eu quero falar dos que mamam, Dos marmanjos, safados, sem vergonhas, cafajestes Que infestam a política nacional É na mão dessa gente que fica a conta do governo do Estado (O Governo corre para tentar impedir a instalação das Cpi's) (Botando dinheiro na cueca?) Canalhas consagrados. Canalhas, corruptos, vagabundos!" (Voz de Cidinha Campos) 500 mil políticos, empresários, banqueiros Não podem controlar 200 milhões de brasileiros A cooperação é a mística, que muda a política Além da estatística, revolução pacífica Ninguém reconhece um Gandhi na Cinelândia Mas todos reconhecem um menor na Cracolândia Enquanto uma pequena taxa da população que ganha em cima [54] leva os filhos pra viajar na Disneylândia Os índios dizimados pelo poder do Estado Hoje usando Nike e por doenças afetados Falam do holocausto que aconteceu na Europa Mas não se estuda a África nem o país da copa Nacionalista, não quer dizer ser Socialista A minha posição é somente de Humanista Tiram onda de refinados, mas a miséria é grosseira Não se espante quando ouvir uma testemunha verdadeira Capitania hereditária, vendendo a Amazônia Que vergonha pátria amada, até quando Brasil colônia? Em seus filhos tão sofridos horas a fio de insônia Que vergonha pátria amada, até quando Brasil colônia? Maior taxa tributária, queima queima Babilônia Que vergonha pátria amada, até quando Brasil colônia? Deputados passam férias em Fernando de Noronha "Sai um canalha e entra outro!" (Voz de Cidinha Campos) Nem sempre pude tá no colo da minha mãe Porque Collor podia tá tomando a taça de champagne Não tenho tanta instrução, mas tenho os meus argumentos Retrato de um brasileiro educado pelo entretenimento Quase 100 mil vão pro estadio, compram o ingresso Mas nem metade fazem um protesto na frente do congresso Desordem em progresso, com a ordem o regresso País da ilusão, do carnaval e do sucesso (.

Pátria amada brasil, eu te amo tanto Mas odeio ver seus filhos sem escola pelos cantos Mas odeio ver o estado dos hospitais do estado Se a família não acompanha o paciente é abandonado A letra apresenta uma crítica não só recuada, mas à direita na medida em que combate a principal oposição frontal ao capitalismo, o socialismo, numa pretensa posição de humanismo. Essa ideia conservadora se acentuaria por todo o Brasil cinco anos mais tarde da publicação do disco. A lógica do corrupto é a mesma do ladrão, com a diferença que esse, em alguns casos, ainda une a mentalidade burguesa com a necessidade real, por falta de dinheiro. A sociabilidade capitalista (mercantilização, burocratização e competição) gera a mentalidade burguesa.

Essa mentalidade burguesa não é, pois, algo inato. Ela é constituída socialmente. Cidinha Campos é deputada do PDT. Logo, a corrupção é uma relação social na qual alguns indivíduos ou grupos corrompem algo e cujo resultado é prejudicar outros indivíduos ou grupos. A ambiguidade que me referi anteriormente é algo que se manifesta cada vez que buscamos compreender melhor o processo de mercantilização do rap, visto a sua capacidade flexível de transformação. Existem aí duas questões, uma da órbita do próprio processo pelo qual passam os artistas acumulando experiências e conhecimentos e, portanto, cabendo-lhes também novas formas de posicionamento e por outro lado pode funcionar como artifício a responder as próprias demandas de mercado que se forjam também em momentos políticos tensionados entre as classes que se antagonizam.

Essa forma de atuar é estrategicamente vantajosa, pois os processos e as pautas dos momentos impulsionam a imagem dos rappers de forma a popularizar os seus nomes valorizando as produções. A letra de “nome aos bois” também do grupo Oriente novamente trata de questões políticas agora trazendo uma visão estrutural, de toda classe política, seja de esquerda ou direita admitindo a corrupção como elemento endógeno. Em 2009 Ret dizia que era preciso se publicizar, ganhar popularidade e expandir os horizontes. Após a conversa sobre a formação do grupo passamos a discutir a questão da profissionalização. Eu perguntei para eles o que era ser profissional. LK - Cara, eu acredito que é encarar o show como uma coisa mais concreta, como um espetáculo mesmo (.

como entretenimento. O LK começou a se interessar mais por instrumental, beat, tal, começou a produzir. E aí ele já ficou encarregado dessa parte e a gente começou a gravar na casa dele também e aí meio que virou o produtor. Teve um tempo que eu fiquei na parte administrativa. Então quando não tinha produtor mesmo eu que respondia os emails, tentava fechar shows, esse tipo de coisas. Acabei ficando com a parte de internet também. O termo “adaptar-se” surgiu em alguns momentos em nossas conversas. As problemáticas que surgem daí diz respeito aos fundamentos do rap/hip hop. O público garante a manutenção do grupo a partir de uma relação não só da arte que é produzida, mas a uma relação de consumo, algo que já se conhece dentro da perspectiva da indústria cultural.

Em meu TCC, escrevi em relação a isso: A transformação do discurso do rap para uma categoria profissionalizada exige que sua classe seja reconhecida e acima de tudo valorizada. MC´s passam a não mais fazer shows de graça, começam a surgir premiações nas principais batalhas que tornam o espetáculo mais envolvente para os participantes acirrando também o nível de disputa que está em jogo. A gente usa ela totalmente, porque na televisão não tá. Arthur – Qual o balanço que vocês fazem de alguns anos pra cá, da experiência de vocês, da cena? Disso que a gente tá se inserindo. Disso que a gente tá querendo aumentar. LK – A gente vê que existe uma galera interessada e que não existia.

Tipo, contratantes, gente que faz vídeo, o público cresceu. As bandas de rock forte tipo Charlie Brown que tinha aquela pegada que o rap tem hoje, mais melódico e tal, falando uma coisa mais cabeça, que é a base do grupo. LK – O jovem tá querendo se apegar a um estilo musical que represente ele e que ficou um tempo sem aí. O jovem não tinha o que ouvir que ele falasse “a minha rebeldia tá aí”. Arthur – Mas e o caráter político? O que que é esse caráter político no rap hoje? LK – Eu acho o seguinte. Tem muita gente que não liga mais nisso. A mercantilização do rap deu-se ao longo de um processo paulatino onde as formas de mercado foram desenvolvidas no interior da própria cultura e num segundo momento transmutado como cultura de massa.

Podemos observar este fato na construção da necessidade da profissionalização no rap. Um texto de 2010, “Nem todos serão MC´s”, elucida bem essa questão. Os que "vencem" no hip-hop não possuem só o dom ou talento, qualidades que, em muitos casos - na minha opinião -, nascem com a pessoa. Acredito que existem os predestinados no hip-hop, pessoas que vieram ao mundo para cantar, tocar, dançar ou grafitar, e que não seriam capazes de fazer nenhuma outra coisa tão bem quanto tais expressões artísticas. Acima de tudo, o hip-hop precisa de advogados, administradores de empresas, economistas, professores, pesquisadores, historiadores e até parlamentares, entre inúmeras outras funções. Para combater o tal "sistema" não é preciso ignorá-lo, mas sim usá-lo a favor dos princípios em que se acredita, ou seja, tomá-lo de assalto - no melhor sentido da palavra, segundo o conceito da verdadeira malandragem (estudar e trabalhar).

E, com mais de duas décadas de existência no Brasil, o hip-hop não pode mais se portar como criança ingênua e birrenta, que recusa a mamadeira mas não quer aprender a usar talheres. A maturidade exige profissionalismo e isso se faz com seriedade, qualificação, conhecimento de causa e jogo de cintura. Enquanto agir de forma amadora, o hip-hop nunca será levado a sério como sempre desejou. O quinto elemento que se refere é o conhecimento. Esta categoria, por sua vez, ganha uma importância administrativa e instrumental longe da crítica à sociedade capitalista. O conhecimento é a categoria de maior importância na cultura Hip Hop, pois vem dele a possibilidade de avanço nas lutas sociais pela emancipação do gênero humano, vem dele também o aprimoramento dos demais elementos, o graffiti, o rap, o DJ e o break.

O conhecimento nos coloca a pensar a totalidade de forma articulada, por isso a cultura Hip Hop só faz sentido se os elementos se conectam e produzem num contexto o comum. O fato é que este é hoje o desafio da cultura Hip Hop: articular-se. Voltando à crítica e ao compromisso Para que fosse possível tornar-se mercadoria em escala industrial, de massa, o rap teve que não só abandonar práticas e perspectivas de combate e enfrentamento, mas aceitar o projeto de poder alheio reforçando suas bases aqui e ali tendo com isso benefícios irrecusáveis. A forma tosca de se produzir foi substituída por profissionais qualificados que sabem as exatas frequências de cada timbre ao produzir um disco. O profissionalismo passa a ser sinal de amadurecimento.

No entanto, por profissionais entende-se também os burocratas. Burocratizou-se o processo de produção aspirando determinadas contrapartidas que passou a fazer parte do jogo. Primeiramente é preciso repensar o conceito de crítica, pois ela foi sorrateiramente relegada ao campo negativo na cultura Hip Hop principalmente por rappers do Rio de Janeiro e São Paulo, sendo por isso vista como recalque e elemento a ser evitado para a boa condução do campo das amizades que formam redes de poder longe de pretensões éticas ou formam uma ética a partir de valores de mercado. Isso tudo faz com que a cultura se referencie por elementos individuais e não coletivos enfraquecendo o seu espírito. Consome-se determinado artista e não determinado grupo. Os grupos fragmentaram-se muitas vezes tendo seus componentes incorporados aos sistemas de mercado forjando a sua própria alienação.

Nisso as abordagens dos temas caíram de qualidade já que o âmbito da política se fez valer em nível do privado, blindado desde seu lugar a um elemento inofensivo à ordem. É o compromisso que nos assegura que a ruptura é não só possível, mas desejável e imprescindível de realizar-se como prática. A prática transformadora, popular e revolucionária é o verdadeiro compromisso do Hip Hop. A leitura crítica obviamente diverge do compromisso com os negócios e empresas, com a ascensão social e suas ordens de prestígio e poder, do compromisso consigo mesmo ou no máximo com o seu [65] próprio grupo ou quando muito como um puro mecanismo retórico. O compromisso é a continuidade da luta e para essa continuidade ser possível é necessária uma análise que nos ofereça uma leitura do estado atual de coisas para que possamos nos situar no campo, neste caso a cultura Hip Hop.

O compromisso se faz perante sua capacidade ou não em enfrentar contradições que impossibilitam a sua liberdade criativa e de organização. Em 1988 é lançado o LP Hip Hop Cultura de Rua, produzido por Nasi, André Jung (do Ira!), Akira S e Dudu Marote. Esse disco é tido por muitos como o primeiro registro de rap do Brasil. Artistas como Thaíde e DJ Hum, Código 13, MC Jack e O Credo fazem parte do disco. Em paralelo o grupo Consciência Black lançava os Racionais MC´s. Os discos são marcos, marcam a reunião e articulação de grupos e produtores para estabelecer e formar as bases de novas linguagens na música e na militância. “E aí vai um conselho pra quem é inteligente, nunca discrimine o menor carente.

Faça alguma coisa pelos menores carentes!” Há também crítica aos pastores que lucram com a alienação dos fiéis. O grupo Filhos do Gueto coloca de forma enfática a repressão policial sistemática contra a população: “você pode se dar mal se recusar a um pedido de um policial. De um lado os bandidos, de outro policiais, eu tô tentando descobrir que diferença isso faz” e coloca os policiais como os verdadeiros marginais, são marginais pagos pelo Estado. Ressaltam também o caráter seletivo da justiça. As pessoas ouviram aquilo como uma grande novidade, o rap em português com aquele tipo de letra. Alguns rappers brasileiros já faziam os seus vinis, tinham acabado de começar também, Racionais, MC Jack, Rafa e os Magrelos e o Thaíde e eu fui lá conhecer a galera fui bem recebido lá em São Paulo.

Mas voltando ao Rio a gente sentia falta de uma coisa inclusive comparando com São Paulo a gente sentia falta de mais gente, de mais união, de mais atividades e eu tentei criar uma associação. Associação Atitude Consciente. Foi uma ideia minha junto com o pessoal do movimento negro da articulação e do CEAP e ali eu conheci o MV Bill que alguém trouxe, não me lembro como o Bill chegou, o Buiu, o pessoal do Filhos do Gueto, Artigo 288, Gilmar. E eu lembro da gente pedir pra cantar mesmo com disquinho instrumental ou às vezes não tinha toca-discos, “ih, não tem toca-disco. Não, tudo bem, vamos no beatbox”. E a gente teve algumas experiências de mostrar pro público que não conhecia o rap como é que era a nossa linguagem.

Isso me motivou a insistir a procurar um caminho mais amplo pro meu rap. Eu não assinei com a Kaskatas Records e, São Paulo que eu fui até lá bati na porta, a gravadora dos Racionais que eles iam lançar um disco de quatro músicas nos bailes de rap. Mas eu sempre me senti orgulhoso por isso pelo caminho que o rap foi construindo. Que é uma soma do meu trabalho, do Racionais com outro estilo mais underground mas que também vendeu milhões, abriu muitas portas, influenciou muita gente, o Thaíde como a gente já citou e os outros do Rio que aos poucos também foram conquistando cada um o seu espaço. E aí chegou o Tiro Inicial. Eu não lembro se o meu disco já tinha saído ou se foi junto, mas foi uma coisa que foi importante pra galera do Rio.

Foi um disco que mostrou um pouquinho do estilo de cada um, o pessoal se juntou, fez umas reportagens aquilo que pra nós era raridade, poder falar do trabalho, poder falar o que era rap. No documentário de 1977 O Negro da Senzala ao Soul realizado pela TV Cultura apresenta essa problemática desde os idos do século XIX quando houve a chamada abolição, mas que do contrário que muitos pensam não incluiu o negro na sociedade de forma igualitária ou mesmo alterou significativamente a sua condição de vida trazendo a problemática para os dias atuais onde o negro ainda permanece sob o estigma das classes perigosas. As culturas de resistência nesse caso são claramente um instrumento nocivo à ordem estabelecida pela sociedade burguesa, que [72] tem na polícia e nos meios de comunicação (e, claro, na jurisdição burguesa) os aparatos que garantem a hegemonia da classe dominante.

Como aponta Campos(2011, p. neste caso, “a verdade é que grupos hegemônicos da sociedade sempre trabalharam associados ao Estado para que o controle pudesse ganhar ares de legitimidade”. Isso mostra o caráter de classe do Estado e sua real função na sociedade capitalista. Essa crise é disparada contra um público previamente determinado que sofrerá remoções, prisões, torturas e assassinatos tendo nas forças coercivas o instrumento letal contra populações inteiras formando uma verdadeira ditadura sobre os pobres. Para além do recorte de classe faz-se necessário um olhar racial e de gênero, pois os que alimentam as prisões, por exemplo, são geralmente negros, jovens, latinos imigrantes e demais segmentos desprivilegiados. A criminalização generalizada se faz acompanhada do desmonte do estado de bem estar social transformando o Estado numa máquina punitiva, processo que se deu nos Estados Unidos nos idos da década de 60.

Segundo Wacquant a construção de um Estado penal obedeceu ao consequente desmonte das políticas sociais do Estado providência que aos poucos a partir da década de 90 do século XX se tornou irrelevante para o interesse dos capitalistas interessados principalmente em alargar os lucros e fazer avançar os mercados. Essa política agiu diretamente sobre a miséria colocando-a como uma das causas do problema sendo por isso preciso administrá-la e muito frequentemente eliminar seus excessos. E se pensarmos a nível individual o policial perde a capacidade de conceituar os termos e as coisas para a construção de bases argumentativas sólidas por obedecer e concordar com um regime de submissão, onde há uma certa concessão de poder advinda de escalas hierárquicas superiores que emanam do alto nada mais do que ordens.

A ordem é fator inquestionável, pois ao ver dos superiores aquele que a recebe deve apenas executar os movimentos de forma milimetricamente pensada por quem detém o poder de mando. O policial ao passo que executa ações já determinadas previamente perpetua o sistema de dominação em diversas escalas. Por isso concordamos com Viana(1996) quando diz que De nada adianta apresentar propostas como o aumento dos salários, a melhoria das “condições de trabalho”, implementação da pena de morte, etc. pois o aumento de salário nunca levará os agentes policiais ao cume da pirâmide social; a melhoria das “condições de trabalho” significa melhoramento nos meios de repressão que, certamente, continuarão, em muitos casos, sendo usados de forma contrária ao que se propõe e também para fins políticorepressivos; a pena de morte não significa combate à criminalidade e sim aos criminosos.

A ação policialesca sobre os usuários de drogas é sobretudo política e no ato da repressão tomase conta do seu teor moral e preconceituoso e, claro, autoritário. O policial, ou aquele que reprime, vê-se embuído de toda legitimidade não só para reprimir o usuário, mas também em humilhar e ameaçar aquele que é reprimido. Pretende-se nesse movimento atribuir as responsabilidades de todas as mazelas do universo das drogas ao usuário. Ora, será que a polícia, ou se quiser o Estado, manifesta-se tão somente como órgão que reprime atos supostamente ilegais? Essa é uma questão basilar e todo morador de periferia observa sistematicamente o contrário. Ou seja, aquele que reprime é peça fundamental na manutenção do tráfico manifestando-se na prática como uma das facções que gerem a indústria das drogas.

Isso é muito comum. E aquele mesmo policial que administra o tráfico dá dura no usuário e responsabiliza-o por financiar o tráfico e pela consequente violência que resulta desse processo. As polícias e exércitos não estão nas favelas com a função de neutralizar ou eliminar o tráfico de drogas. Pelo contrário. O Estado ao mesmo tempo em que controla os moradores é força imprescindível na manutenção das atividades do comércio de drogas. Se antes o inimigo maior era o comunismo hoje é o lutador social, a classe trabalhadora, o lumpem proletariado e as culturas de resistência. Esses policiais são estranhamente exdesempregados, ex-trabalhadores assalariados, negros ou brancos pobres, homens, jovens. Talvez aí resida a complexidade da contradição, pois muitas vezes o confundimos também como um trabalhador, condição esta não reservada aos agentes da repressão.

A história continua Em 1999 foi lançado o disco Hip Hop pelo Rio produzido por Def Yuri, Tito Gomes, Kleber França e Paulo Jeveaux. As letras também denunciam a forma como a classe dominante enxerga os rappers. É bom frisar que o espaço entre a primeira coletânea feita no Rio de Janeiro e o Hip Hop pelo Rio foram de cerca de seis anos. Isso mesmo, seis longos anos! A distribuição era algo importante e assim relata Def Yuri sobre como fazia: Enfim, chegava a etapa de distribuição. Dividi o Rio de Janeiro em regiões e cada grupo se responsabilizava por uma. Mas isso era mais um problema. Como em muitos casos, no meio musical, as pessoas não têm idéia que um CD não é o fim e sim a estaca zero de toda uma movimentação, alguns pensavam em botar o boi na sombra e esperar alguma grande gravadora aparecer com um contrato de milhões, adiantamentos exagerados e blá, blá, blá.

Estes somaram-se aos participantes da coletânea, grupos de tradição no Rio de Janeiro como: Filhos do Gueto, Ryo Radikal Repz, Contexto, e novos talentos que foram revelados pela coletânea como Juízo Crítico (ganhador do prêmio Hutus 2000, categoria demo), Disciplina Urbana, Manifesto 021, Tito, Cooperativa, DJ Cleston. Foram quase 10 horas ininterruptas de shows com as mais diferentes vertentes musicais e ideológicas do Hip Hop, sem nenhum tipo de veto à letras ou coisas parecidas, fatos corriqueiros no Hip Hop. O show contou com a apresentação do ator Maurício Gonçalves. Um elemento muito importante na análise de Yuri é o hiato que existiu entre o lançamento do Tiro Inicial e o Hip Hop pelo Rio de cerca de seis anos! É impensável algo nesse sentido hoje visto o ultra-produtivismo dos grupos de rap.

Por outro lado as coletâneas ou mixtapes são raras no entanto marcantes como as coletâneas Iky´s Tape volume 1 e 2 e a mixtape Munhoz e Prof. Bom, naquela época era muito difícil porque hoje em dia essa. hoje em dia as pessoas têm computador. De uma certa maneira o rap é uma música eletrônica, né. Então na época não tinha, era difícil de fazer rap, cara. Era muito difícil de fazer, de encontrar base, tinha poucas pessoas fazendo. Quando eu fiquei sabendo que no Rio tinha uma galera que tava fazendo um outro tipo de funk, e essa primeira geração do hip hop carioca que conheci não fiz parte mas conheci, o falecido Lord Sá, falecido Gilmar, falecido Nino rap, MV Bill, que era o Alex, Gabriel, essa galera começou a fazer o rap que ainda tinha aquela parada de cantar nos bailes funks.

Pra quem não sabe a gente dançava break, a galera dançava break no baile funk. Não tinha baile de rap. Não tinha baile de hip hop. E a galera cantava o rap no baile funk. Tem um amigo meu Cacau Amaral que ele fala que em 1982 ele ia num baile funk, ele era meio punk, mas ele ia no baile do Recreativo Caxiense e tinha um cara que dançava break. Um cara dançava numa roda em 82! Então se os caras se reuniam na São Bento em 89, 88 e esse cara? Como é que ele se encaixa? [80] Shackal – Meu nome é Shackal, trabalho com hip hop desde 1991 eu acho. Participei da ATCON, Associação Atitude Consciente onde tinha os grupos de rap, tinha o Buiu da Doze, Gabriel o Pensador, MV Bill que na verdade não era nem MV Bill, era Geração Futuro que era o Bill, o DJ TR e o Michel, as Damas do Rap, a MC Mi que na verdade canta com o Bill, era molecote, era criancinha ainda já tava no movimento fazendo hip hop, já tava envolvida com a história.

Porra, Gaspar do Filhos do Gueto. deixa eu ver mais quem. Arthur Moura) Figura 20 - O Som do Tempo – depoimento Slow da BF (dir. Arthur Moura) [82] A palavra tensiona o espaço Há muita produção audiovisual na cultura hip hop. O audiovisual é uma das principais ferramentas de comunicação na cultura. Apesar de um crescente aumento das produções como clipes (principalmente), documentários e até mesmo reality shows de MC´s que compõe todo esse universo, houve também uso igualmente grande dessa ferramenta para alcançar público a todo custo resultando em produções questionáveis. A banalização do uso das imagens é um dos principais artifícios para se construir uma determinada concepção de artista, do artista presente em tempo real, mesmo que em redes virtuais.

Há filmes que [83] pensam determinada carreira, como é o caso de A Lírica Bereta, de Ton Gadioli, filme sobre Black Alien. Para além dos videoclipes, o hip hop também se apropriou do cinema propriamente dito (não somente fazendo uso de parte de sua linguagem num campo não necessariamente cinematográfico, como é o caso de videoclipes, videorelease e demais campos do audiovisual) produzindo em sua maioria documentários. O documentário surge na cena com intuito de construir narrativas a partir da vivência e experiência dos atores da cultura urbana muitas vezes produzido por pessoas oriundas do Hip Hop ou com alguma relação com a cultura. Os próprios atores da cena se viram obrigados a lidar com filmagem e edição desde cedo para não depender de terceiros que pudesse influenciar negativamente na arte produzida.

A produção de documentários sobre Hip Hop proporcionou também uma continuidade em observar o trajeto dos atores da cultura ao longo do tempo como é o caso do meu filme Poetas de Rua, de 2009 e agora O Som do Tempo de 2017 que somando os dois acompanha treze anos da cena do rap na cidade do Rio de Janeiro. As ações políticas dessa cena periférica estão relacionadas diretamente a ativação da voz daquele que não compõe os grandes meios de comunicação e que se vê ofuscado por tais mecanismos, no qual no máximo são interpretados segundo posições muito pouco precisas sobre a realidade do observado. O Hip Hop como cultura de rua não só coloca em disputa a palavra, mas a estimula, ensina aquele que tem algo a dizer a se expressar em público.

Por isso a prática do freestyle foi uma verdadeira escola que formou dezenas de MC´s na Lapa na época do CIC e da Batalha do Real. Dropê, MV Hemp, Lepô, Gil Metralha, Dropê mais sinistro, Ramonzin, Sheep, Negra Rê, Maomé, Loco, Kelson, Bebel Du Gueto, Coé, Nissin, Papo Reto, André Ramiro, Chapadão, Beleza, Bocão, Airá, Zé Bolinho só para citar alguns exemplos. A palavra como potência emancipatória, por mais contraditória que possa ser, existe somente se falada, articulada e propagada aos que precisam ouvir teses distintas das hegemônicas. Aqui quando eu fazia graduação nesse instituto, aqui no IFCS da UFRJ, um amigo de curso chegou e disse: `Emílio, eu sei que você se interessa por música negra e a menina que canta no meu coral é uma figura que [85] você tem que conhecer porque ela canta num grupo de rap’.

Essa menina era a Edd Wheeler do grupo Damas do Rap. Eu entrei em contato com ela pelo telefone e aí ela me falou que haviam reuniões de pessoas ligadas ao hip hop. Bom, tinha o Def Yuri, o MV Bill novo pra caramba, tinha o Gaspa, a Ed visizu (confirmar), Nando E. Me parecia que eram as primeiras reuniões do grupo e as discussões eram muito focadas na questão da identidade negra, das questões sociais do hip hop. Foi bem animador pra mim conhecer aquilo ali porque eu tinha realmente interesse de saber se existia essa cena aqui no Rio de Janeiro. Eu desconhecia, né. E meu interesse inicial era muito por conta das letras. Por causa do universo lírico. Quais eram os temas, quais eram as questões que essas pessoas estavam discutindo em suas letras.

Figura 21 – Damien Seth – Cena do Filme “A Palavra que me Leva Além” de Emílio Domingos, Bianca Brandão e Luísa Pitanga De onde vem a resistência Mesmo diante de inúmeras contradições, segmentos do rap mantém como foco de resistência a afirmação política de ser negro tendo a cultura como instrumento de luta ao mesmo tempo em que a utiliza como forma de ascensão social. Muitos desses segmentos são oriundos de favelas. Também neste caso, as favelas são territórios importantes a ser estudados. Entender o processo de favelização do Rio de Janeiro nos coloca a pensar primeiramente a formação dos quilombos. Segundo Campos(2012), estes territórios transmutaram-se em favelas e hoje representam para a república o mesmo que os quilombos representaram para o império.

O que notamos sobretudo na virada do século XX é uma crescente liberalização dos processos sociais e econômico principalmente no que diz respeito à transformação da cidade do Rio de Janeiro num grande e propício local para os grandes negócios capitalistas. Dessa forma a cidade tornou-se cada vez mais controlada e restrita às classes privilegiadas para o fortalecimento do capital e de sua agenda. Segundo Vainer(1999), a cidade tornou-se uma pátria, uma empresa e uma mercadoria. Isso implicou investimentos não só no que o Estado denominou “revitalização da cidade”, mas no aparelhamento das forças armadas, pois na prática seria impossível revitalizar a cidade para o capital sem a coerção física contra os moradores despejados e transformações tão bruscas no modo de vida dos cariocas.

Na região Portuária, por exemplo, muitas ocupações de morados sem teto foram brutalmente expulsas por policiais militares, oficiais, bombeiros e a guarda municipal. Toda essa condição além de colocar o lutador social num lugar de extrema desvantagem nos coloca a pensar formas possíveis de enfrentamento e resistência, pois nada mais confuso que nos condicionar à conciliação entre classes. Hoje em 2017 o que se vê é muito mais uma explanação direta das exigências da direita e o crescimento do fascismo. Há diversos prisioneiros políticos, como Rafael Braga, Igor Mendes e mais recentemente militantes do MTST foram presos na greve geral do dia 28 de abril de 2017. Isso sem contar com os cabeças raspadas quando da vinda do ex-presidente Obama ao Brasil para negociar as riquezas do pré-sal em 2011.

Há muitos julgamentos e processos contra ativistas, militantes, etc. Niterói: a lírica bereta, explica que “nessa época só tinha rap old school, que era o pessoal de São Paulo que fazia rap old school e o pessoal aqui no Rio tinha um pessoal que fazia com banda e tudo e a gente começou a fazer com dois MC´s e um DJ. ” A banda SpeedFreak durou de 92 a 96 e trouxe ao cenário musical do rap uma nova proposta de sonoridade, assim como uma pegada política diferente da capital paulista. Em 1996 Black Alien entra para o Planet Hemp e mais tarde em 99 volta o projeto com Speed, mas agora como a dupla Black Alien & Speed e vão para São Paulo novamente em busca de se apresentar e produzir um disco com Carlinho Bartolini.

“Em 99, a gente se mudou pra São Paulo, diz Black Alien, tipo músico tentando a vida mesmo, aquela coisa. Tipo com uma mão na frente e a outra atrás, fomos. Diretor: Ton Gadioli. Rio de Janeiro, 2012) Ao final da década de 90, a dupla já conquistara espaço no eixo Rio – São Paulo despertando também o interesse de Carlo Bartolini, produtor musical. O produtor junto com empresários do ramo musical se articularam para produzir um trabalho com mais “peso”, assessorado e direcionado a um mercado mais amplo. Carlo Bartolini já trabalhou com diversos artistas brasileiros, como Os Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Nando Reis, Sepultura, Charlie Brown [90] Jr. Cássia Eller, Ira!, Pavilhão 9, Otto e Jorge Benjor. Então sempre teve um nível superior.

Alex “Don KB” Cecci – empresário do ramo musical. Mr. Niterói: a Lírica Bereta. Diretor: Ton Gadioli. A gente, porra, será que essa parada é rap também? Mas era e era muito louco, tá ligado? (Mr. Niterói: a Lírica Bereta. Diretor: Ton Gadioli. Rio de Janeiro, 2012) [91] Era preciso reclamar menos tentando não abrir mão de certos questionamentos. Estes questionamentos poderiam vir de uma nova forma, mais poética, livre e atraente esteticamente. Vamos parar de fugir e enfrentar a realidade, senão tamos fudidos. KKcula, A Batalha do Real, 2003. Adaptando-se à sociedade de consumo A sociedade de consumo pensa o cidadão enquanto aquele que se insere ativamente no mercado afim de estabelecer uma relação de acesso aos bens e serviços. A “nova classe média brasileira”, ou seja, parte da classe trabalhadora que conseguiu se inserir nesse mercado criado especificamente para ela, passa a ter importância devido à sua inserção nesse mercado.

No entanto, as estratificações continuam, dessa vez de forma ainda mais evidente. Traz também uma forma de pensar o que estava sendo construído enquanto segmento independente já àquela época, década de 90 quando Black Alien e Speed interagem, afim de construir suas próprias identidades. O acesso a bens de consumo certamente foi fator crucial na construção dessa cena alternativa. Mesmo estes bens sendo ainda de difícil acesso, pois àquela altura assim como hoje não estávamos em par de igualdade com nossos vizinhos norteamericanos. Ou seja, era muito difícil ainda àquela época ter acesso a equipamentos e outros bens materiais para produzir. Não havia muitas alternativas se não a experimentação com os equipamentos que se poderia adquirir. Dessa forma, estabeleceu-se o diálogo com um novo público, proporcionado pelo acesso à internet já ser mais facilitado ao final da década de 90 e início dos anos 2000 principalmente entre a classe média.

Uma liberdade começava a ser conquistada. O mercado ao mesmo tempo em que aumenta a velocidade das mudanças tecnológicas também barateia o custo para quem deseja adquirir equipamentos que a indústria e o comércio consideram defasados. Na verdade, grande parte dos artistas cariocas e paulistas gravaram suas primeiras experiências sonoras com equipamentos caseiros, baratos e que, conhecendo as possíveis limitações técnicas dos equipamentos, articularam formas para driblar essa aparente desvantagem que estavam transformando a escassez em forma de linguagem. A ressignificação do processo de produção baseado em equipamentos precários fora uma importante saída que permitiu que diversos artistas obtivessem êxito em suas primeiras experiências sonoras como é o caso do Quinto Andar. A experimentação tampouco. As linguagens tornam-se rígidas e a tecnologia, por não contemplar a todos, torna-se uma aliada dos que tendem a fechar as possibilidades de novos grupos que desejam se inserir na cena.

Esse mecanismo não é algo pronto, finalizado. No processo de afirmação ele é sacralizado em confluência com o espetáculo. Não só o acesso a bens e uma nova linguagem foram os formadores da cena independente. São resultados do que Santos descreveria como fluxos. Estas pessoas que em suas músicas tentam descrever a dinâmica da cidade, não o fazem por outro motivo se não por terem de atravessa-la em suas diversas formas, dialogam com outras culturas, do rock a MPB, tem de passar pela periferia e descer ao centro, gerando suas antíteses de uma dialética da contradição social. Seus textos são resultados dessa dinâmica que ganham com a cidade, transposições de sua realidade material, mas também de sua experiência sensorial com o mundo.

Eles criam e recriam as letras de seus companheiros, dialogam a ponto de conflitos, unem-se e dividem-se, fazendo o mesmo com o mercado. Sobre a formação do Quinto Andar, diz De Leve: De Leve – Eu e Marechal escrevíamos umas paradas na casa dele, mas tudo brincadeira, a gente nem gravava nada. Eu adorava fazer rap, mas pô, e aí? Tem que viver né? Risos Em 1999, 2000, o grupo começou a gravar. As gravações eram feitas em um pequeno quarto com um computador velho utilizando um microfone de PC daqueles fininhos que se usava para conversar pela internet. Porém, nem por isso o grupo deixou de ser conhecido. Lembro-me de um dia que fui à casa de um amigo viciado em Metallica, Nightwish e Pantera e pedi a ele que copiasse umas mp3´s para o meu computador (isso aconteceu aproximadamente em 2002) e para minha surpresa aquele roqueiro, que até então eu achava ser um ortodoxo, copiou algumas mp3´s do grupo Quinto Andar para o meu hd.

Nessa época o grupo já tinha um nível de divulgação razoável não só eixo Rio – São Paulo, mas começava a ganhar espaço em outros lugares do Brasil. É maneiro? Neguinho é sangue bom? Demorô, vamo lá então, ué. Eu não tenho nada contra sabe qual é. Nem Tinha. Arthur Moura – Mas você não participou de forma efetiva nisso? De Leve – Não, cara. Isso não foi tipo, ah todo mundo se conheceu junto não. Nessa época de formação artística, de discurso e estruturação de carreira podemos observar com mais clareza os resultados que hoje analisamos. Que tipo de mercado estava se formando? É possível falar em mercado àquela época? O que ocorreu para haver um alargamento do discurso que antes era predominantemente direto, crítico [97] incisivo à sociedade e às mazelas que compõem a trama social e que passou a formar o rap que hoje chamamos de alternativo? Mesmo àquela altura, sem lucrar financeiramente com a música (coisa que passou a acontecer somente algum tempo depois, e mesmo assim o resultado financeiro viria muito mais dos poucos shows que da venda de CD´s), seria uma negligência não enxergar a formação de um mercado alternativo onde coube à internet papel fundamental.

O que fez do Quinto Andar um grupo que mais tarde viria a influenciar diversos jovens que passariam a fazer rap no Brasil? É possível apontar algum tipo de ideologia já nessa época de formação mesmo o grupo estando em período inicial e de descobertas e onde segundo os próprios integrantes pouca coisa ainda estava definida? Como os recursos materiais àquela altura ainda eram escassos, a única arma que eles tinham eram suas letras, onde retratavam basicamente o cotidiano, de como eram enquanto pessoa e como enxergavam o mundo, suas dificuldades e também seus preconceitos. As críticas também se direcionavam ao próprio rap em que aos poucos estavam se inserindo. Essa crítica interna também passou a ganhar um novo teor que se traduziu bem nas disputas.

Eu acho até que a partir do que a gente fez o jogo mudou, cara. Hoje em dia não é mais assim. O próprio Racionais tem “Mulher Elétrica”, é outras paradas que neguinho aborda. Eu vim falando tema de mulher a vera! A minha primeira música é um tema de mulher. Depois eu vim com “Vai Vendo”, tem “Menstruação”, tem várias paradas e eu faço o mais escroto possível! “Eu quero gatinhas raspadinhas sem calcinhas”. São situações, sabe qual é? Não é uma ideologia. É uma parada que você tá sem grana, como é que você sobrevive, sabe qual é? Como é que a gente vive aqui em Niterói, como é que é as paradas. Essa música ficou tão conhecida que parece que é um hino da parada. Eu fico feliz pra caralho, porra! É uma música que eu fiz! Muita gente pergunta “o que você quis dizer?”, eu falo, meu irmão interpreta do seu jeito.

Largado não é ideologia, tanto que eu só fiz uma música falando largado, eu não fico falando nas minhas músicas largado, largado… eu tenho mais de cem músicas e tu vai ouvir e não tem isso. No Rio de Janeiro grandes eventos marcaram a cultura. O Hutuz, Hip Hop Santa Marta, eventos na CDD (Cidade de Deus), CIC (Centro Interativo de Circo, neste caso o núcleo de vários eventos), Fundisom, Batalha do Real, Liga dos MC´s, são alguns dos eventos organizados principalmente por elementos da cena. Boa parte dos eventos preservou, cada qual a sua forma, a interação entre elementos da cultura Hip Hop. No CIC, por exemplo, que rolava na Fundição Progresso tinha aulas de break, graffiti, etc. O Centro Interativo de Circo contribuiu de forma decisiva na formação de centenas de jovens (e continua em plena atividade em João Pessoa) sendo muitos desses já consolidados na cena cultural, seja do Hip Hop ou da arte circense.

O que preponderou do início dos anos 2000 até o presente momento foi o espetáculo das batalhas. As batalhas têm um papel muito mais complexo nos eventos e na cena de uma forma geral. Elas são espaços de formação que requer o contato e a vivência direta nas ruas em rodas de freestyle, desafios e apresentações aproximando o MC do microfone e toda essa simbologia. Grande parte dos MC´s que se destacaram no Rio de Janeiro no início passou por alguma batalha. Funkero, Beleza, Gil Metralha, Zé Bolin, MV Hemp, Aori, Negra Rê, Psicopato, Bebel du Gueto, Dom Negrone, Dropê Mais Sinistro, Nissin, Ramonzin e muitos outros são apenas alguns exemplos. A conjuntura atual nos força a pensar de forma mais detida sobre os processos históricos recentes relacionando as crises em seus diferentes âmbitos.

A crise capitalista de uma forma geral é global, por isso mesmo estrutural visto as interelações entre grandes capitais monopolistas. O capital é bom lembrar não possui pátria ou qualquer ligação fiel a um determinado território ou sequer uma ideologia fixa. Ele é um sistema explorador em sua essência e instala-se onde haja maiores condições para sua reprodução. Com a crise de 2008, por exemplo, houve grande mobilidade de capitais para a América Latina o que impulsionou também as políticas de Estado do governo Lula que alternou seu governo entre garantir os grandes lucros empresarias ao passo que também se investiu no suporte social em políticas públicas para as classes mais pobres com o consequente aumento do consumo de mercadorias e serviços.

As políticas de inclusão não foram mais eficazes que as políticas de exclusão também perpetrada pelo PT. O aparelhamento do aparato repressivo e toda sua estrutura de inteligência nos deu a certeza que o PT não está tão à esquerda assim, pois foi fundamental em 2013 a neutralização dos movimentos sociais combativos em políticas do governo petista em coalizão com partidos como PMDB e outros segmentos conservadores. Em 2013 o Estado foi claro em sua posição não tolerando até mesmo o direito de se organizar minando as organizações interna e externamente. Os principais grupos, organizações e movimentos foram desestruturados desde dentro por serviços de inteligência da polícia política do Estado. Hoje em 2017 já estão todos, ou pelo menos os “cabeças”, devidamente mapeados e neutralizados juridicamente.

O golpe tem um caráter muito mais complexo que os já desgastados discursos midiáticos nos leva a crer. Também não podemos encerrar a compreensão do golpe pelo discurso político governista ou ex-governista vindo das frações da esquerda partidária e demais progressistas, pois estes geralmente encerram-se numa falsa dualidade entre poderes também banalizando nesse sentido o que vem a ser esquerda. As técnicas de golpe de Estado são permanentes, estrutural, e não ausentam-se em períodos de aparente estabilidade econômica, por vezes eclode e outras arrefece. De tempos em tempos e de acordo com a tensão entre as forças o golpe há de se estabelecer. O golpe é sobre a economia, assim como direitos básicos e fundamentais como a própria liberdade política ou simplesmente de ir e vir, enfim, é um golpe social.

Por isso, queremos ressaltar que o movimento Hip Hop deve ser livre e para tal deve reaver a luta contra diversas formas de opressão praticadas historicamente pela estrutura do capital e suas formas de poder. A gente quer ir pra rua, mas não vamos para a rua junto com os militares, não vamos para a rua junto com as armas do Estado. Quem organiza Rodas de Rima, quem circula favelas, quem circula os meios e os espaços onde tá o Hip Hop sabe que a polícia não é amiga do Hip Hop. O Hip Hop está aí para questionar essa ordem! Não estamos junto de pessoas que por introjetar o medo construído pelos discursos midiáticos burgueses tornam-se a favor da militarização dos espaços públicos cerceando ainda mais as manifestações culturais da juventude e demais setores populares.

Dessa forma, convidamos todos que compõem a cultura Hip Hop a pensar criticamente a conjuntura política atual de forma a nos associar em organizações que se contraponha e efetive na prática ações antagônicas ao conservadorismo burguês. A arte, diz Frederico (2005:26), “é uma representação que nos conduz a uma realidade diferente de nosso cotidiano”, e quando ela passa a nos conduzir ao senso comum das relações é hora de olhar para dentro e identificar os problemas. Dois elementos centrais são a construção de ideologias no rap e o processo de fetiche da mercadoria. O fetiche é como se fosse um objeto mágico com poderes sobrenaturais. A carranca, diz Carcanholo (2011:87), é um fetiche “e o fenômeno da mente humana de atribuir poderes à escultura, ao pedaço de madeira, e de tornar o ser humano submisso ou dependente dela é o que caracteriza o fetichismo.

” E conclui: O fetiche parece ter seus poderes derivados da sua própria natureza e não da mente humana ou da sociedade. As ideologias no rap resultam de um processo de afirmação e construção de redes que aperfeiçoam-se no sentido não só em afirmar determinado segmento de artistas mas pretende também o governo sobre os outros através da construção sistemática de lideranças que se destacaram no cenário. Ao mesmo tempo em que houve o crescimento do rap como estilo musical (ao passo que se secundarizou o rap como instrumento de luta contra as opressões de classe), ocorre também o desenvolvimento e aperfeiçoamento de aparatos e dispositivos de controle no seio da cultura hip hop através, por exemplo, da ideologia da competência onde o Mc serve não só como portavoz da cultura, mas como parâmetro do gosto e valores sendo uma espécie de chefe a ser obedecido de forma inquestionável, como bem nos parece a figura de Marechal.

Nesse caso tais ideologias servem para forjar uma unidade de pensamento e ação. O pensamento é todo ele concebido pelo que possui mais poder e as ações servem como modo de colocar em prática o ethos do grupo. No caso de Marechal que foi com quem [108] tive mais proximidade por um determinado tempo o grupo deve uma certa lealdade a ele. Na internet viraram formadores de opinião. É claro que nem todos são formadores, nem querem ser, mas muitos desejam tal lugar. As plataformas de internet são muito utilizadas nesse sentido. Vende-se a imagem, assim como ideologias. O facebook é ainda a rede virtual mais usada, mas também há muitas outras como o twitter, instagram, etc. Mas o que é exatamente um formador de opinião? Os formadores de opinião, diz Márcio Cruz, são pessoas que, por meio da mídia, comunicam juízos sobre temas, fatos, personalidades ou valores a ampla parcela da população ou a um grupo específico.

” (A mídia e os formadores de opinião no processo democrático. Os formadores de opinião também podem ser pessoas que influenciam contingentes de pessoas, que levam as massas a concordar com uma dada opinião ou a consumir determinado produto, assistir determinado espetáculo, ler determinada revista ou jornal. Daí que determinadas celebridades cobram caro para associar seu nome, sua voz, seu rosto a um determinado banco, a uma mineradora, a uma fábrica de automóveis ou a uma marca de roupa. Washington Araújo. a linguagem dessa juventude o foda-se é um foda-se de total fuga da realidade. O foda-se como uma proposta não de questionamento da ordem, mas um foda-se de reprodução da ordem, sacou? ‘Vamos mandar um foda-se pra essa ordem e viver drogados porque nós vamos ser mais felizes assim, entendeu? Tudo é foda-se, foda-se.

Isso acaba virando em certo sentido um discurso cada vez mais de menino mimado, cara. De um cara que não tem coragem de enfrentar as contradições da sua vida, cara. É escroto. E isso é uma estratégia. É uma arma dentro do que o cara se propõe a fazer como ideologia. E aí isso é hierarquia, cara. Isso é governo. O cara tá governando um monte de gente e dizendo o que é bom e o que é ruim dentro do ponto de vista que ele quer fazer na cabeça de cada um. Esvaindo-se de sua inscrição em sistemas rituais, sendo silenciada nos seus poderes metafóricos, as drogas se transformam no seu valor de uso. Ao serem silenciadas de suas potencialidades simbólicas, as drogas se associam agora com os poderes da morte.

Por servirem à gana do sujeito pela pura excitabilidade, numa busca desenfreada por aquele da pura excitação, sem o respaldo do seu campo simbólico originário, as drogas funcionam para algo que é da ordem do gozo e não mais do êxtase. Isso tudo mostra que a música é administrada conforme exigências exteriores. Os temas e tipos de abordagem, o estilo da batida e sua estética passam a existir como catálogos. vou dar um exemplo melhor. No disco. No final do [112] disco eu olhei assim e falei, ‘pô, tá faltando uma música política no disco’. Não tem. Aí eu fiz “Brasil colônia” pra conseguir atingir aquele campo. Que a galera leva. Agora eu sei o que eu tenho pra trocar. Eu tenho tantos acessos por dia no meu site, se eu lançar um vídeo em uma semana ele vai ter tantos mil no youtube e isso é a comprovação física da produção independente.

Porque é uma ciência inexata a cultura, né, a música, essas paradas. Então quando você mostra ‘aqui, mano, eu tenho dez mil em uma semana’, você tem físico. Maio/2012) Nesse contexto o rap ganha mais visibilidade a partir das suas próprias movimentações de mercado, mas numa busca por algo mais completo a nível de circulação de mercadorias. Entra, então, a mídia como um lugar central também a ser ocupado. O Rap e a mídia Os meios de comunicação de massa produzem intensas disputas por trazer todo um espectro de poder útil nesse caso às premissas do capital e dos Estados e de suas políticas de controle. São por isso investidos de toda uma construção política que por não conseguirem separar-se da realidade material dá a esse um caráter fetichista e obtuso relacionando-se com a realidade de forma utilitária e tecnicista.

As TV´s e os jornais promovem sem qualquer pudor a construção sistemática da negatividade da cultura negra e a afirma como válida somente quando esta assume sua condição máxima de mercadoria. Esse processo é resultado das boas estatísticas e alcance virtual, mas também dos shows que o grupo ou MC realiza, em suma, do seu poder de venda e influência. Por isso é tão importante as estratégias de venda desenvolvidas ao longo do tempo pelos principais nomes da cena que consequentemente se espraiou para os demais segmentos forçando-os a se relacionar ou compactuar com este processo. Forjam-se [114] carreiras e métodos de construção identitária que também faz parte do processo de mercantilização. Tudo isso, importante colocar, afirma o caráter político do rap e da cultura Hip Hop, mas mistifica, agora como um dos elementos da cultura, o tensionamento da sociedade.

Mesmo fragmentada a classe trabalhadora é força capaz de mobilizar, estreitar relações entre os jovens e muitos adultos que cresceram ouvindo e praticando o rap ou qualquer outro elemento da cultura. em “O Rap e a Mídia” (2014) de Juliana Caroline e Pamella de Souza: Eu acho que a partir do momento que tem gente que pode representar o Hip Hop e contar a sua realidade independente de qual seja o veículo de comunicação da mídia, o canal de TV ou a emissora, acho que o crescimento dos artistas de rap da arte do Hip Hop também possibilitou isso. Então acho que é normal, é um sinal de que o rap simplesmente seguiu a evolução de todas as outras coisas. Max BO Legitimar essa relação é papel dos grupos e MC´s, produtores, enfim.

Estes não acreditam que polemizar seja bom para a cultura, pois o que é mais importante é a [115] presença dos rappers nas mídias televisivas. O que se faz valer é o escamoteamento das tensões. Seja ele jornal impresso, revista, a mídia da rede social, eu digo a internet, tecnologia avançada, a mídia televisiva, a mídia radiofônica e o corpo a corpo com as pessoas mais do que nunca faz com que isso venha a se expandir. A indústria cultural aparece aí como elemento que pode até mesmo salvar vidas e não o contrário como geralmente é a regra mostrando muitas vezes uma ingenuidade com relação às reais intenções do projeto industrial cultural. A televisão não mais é uma corporação que deva ser destruída, mas sim apropriada e ocupada, incorporada por estes que agora a reivindicam, seja para participar de um programa de auditório, uma pegadinha, propaganda, ou programa de entrevista e reportagem.

O principal caráter da mídia corporativa é que suas transmissões se colocam com a pretensa posição de neutralidade excluindo a possibilidade do confronto. A ausência do confronto transforma os porta-vozes das notícias em portadores de uma opinião blindada a contraposições. Não tenho nada contra o SLIM no BBB. Eu vejo até novela, porra!!! O chato é ter tanta coisa relevante acontecendo, e pessoas fazendo alarde pra esse tipo de bobeira. TV é entretenimento. Tranquilo ver, contanto que você tenha senso crítico, e a capacidade mental de saber que aquilo não é a vida. É só uma caixa produzindo ilusão, pra gente rir ou chorar. Victor Freitas _Funkero – post de 7 de janeiro de 2014) Sou da época que meu Sonho era ver o Rap na tv e na rádio, os graffitis nos outdoors, os b.

boys num comercial fazendo o que gostam, dançando, grafitando ou rimando e ganhando por isso. Era um sonho imaginar que um dia seria possível viver do que a gente amava e gostava de fazer "mais do que" estudar ou fazer o que o chefe (que olhava feio pelo meu jeito de se vestir) mandava. Mas hoje é muito feio ver pessoas que não entendem bem da onde veio e o que é esse "amor pela cultura" rotulando caras como "vendidos" que se expõem na grande mídia, pessoas que usam a arte que amam e fazem de coração para trabalhar, isto é , acreditam tanto que colocaram suas vidas nessa navalha fina que é trabalhar com arte. A arte pode ser transformador social, como pode ser [117] entretenimento, e pra mim, se você permanece com suas essências e raízes você pode fazer os 2, sempre com respeito.

O processo de monopolização dos meios de comunicação funciona numa complexa trama entre público e privado onde os interesses particulares da burguesia atravessam todos os obstáculos por ser transmitido por freqüências igualmente privadas, mesmo que juridicamente estando atrelado ao ordenamento estatal onde supostamente deve servir a todos. A permanência de uma comunicação contrária ao modelo capitalista depende de trocas que façam emergir novas concepções de linguagem e de luta. Para Nildo Viana(2005, p. nas sociedades marcadas pela divisão em classes sociais antagônicas e com uma divisão social do trabalho complexa, a linguagem passa a ser perpassada pelos conflitos de classes (Bakhtin, 1990) e pelo que alguns estudiosos chamam de “estratificações sociais da língua” (Guiraud, 1976). Sendo assim, entendemos que os interesses antagônicos de classe também são presentes na produção das informações, midiatizadas em sua grande maioria por canais de interesses privados.

O rap já oferece artistas que cantam sobre amor, violência, maconha, sucesso e opulência, rua, protesto e política, polícia, etc. Sobre este novo espectro do rap, diz o produtor DuBrown: Durante um bom tempo eu tô meio que por trás, gravando as pessoas, né cara? Então, quando eu vou fazer a seleção da master, da mixe eu tenho que ouvir as acapelas e tudo. E eu tenho reparado, cara, que a galera têm botado bastantes assuntos, né cara? A galera têm variado bastante. Acho que o pessoal viu que o rap não só é uma ferramenta de cunho de contestação política, mas o rap é uma trilha sonora da sua vida, entendeu velho? E continua: Quando você tá triste com alguma coisa, sobre um relacionamento, sei lá mano, enfim, o cara não vai precisar ir lá e puxar uma música sertaneja, por exemplo, porque ele tá ali naquele momento meio triste.

Não, mano, tem um rap que fala disso também. Por isso mesmo só é alternativo aquilo que enxerga na produção artística a utopia7, pois dela surgirão as condições para a construção de algo novo e que mude em suas práticas aquilo que já existia através do enfrentamento e sobretudo da organização pautada pela horizontalidade. O artista independente pretende se desvincular das forças que sobrepõem-se a ele em arbitrariedades gerando o controle e a submissão. Sobre a construção desse algo novo, diz Maurício do grupo Carta na Manga: Eu ainda não tenho a resposta pra isso. Eu acho que a resposta parte de um questionamento coletivo, de uma relação conjunta de práticas de pessoas que saibam do seu papel enquanto artistas, sacou? (.

É foda, a gente vive num mundo muito opressor mesmo, né cara? As pessoas têm que ganhar dinheiro pagar as suas necessidades básicas, né? Mas ao mesmo tempo a arte é uma ferramenta que não pode se condicionar a uma única lógica de subsistência. ” (VIANA, 2008, p. Quem não se flexibiliza, quebra A flexibilização é elemento imprescindível ao novo ordenamento do capitalismo global principalmente nas novas subdivisões do novo mundo do trabalho. Para falar sobre isso vale ressaltar importante estudo de Richard Sennet(2011) “A Corrosão do Caráter”. No primeiro capítulo, Sennet descreve uma experiência que teve com o filho de um velho conhecido, Enrico, o pai do rapaz com quem encontra no aeroporto de nome Rico que estava visivelmente modificado após alguns anos.

Símbolos que lhe conferiam status eram algo distante para Rico visto sua origem humilde. Soma-se a isso a perda de uma solidariedade de classe entre os trabalhadores há muito presente nas lutas sociais nos países capitalistas. Dentro desse novo arranjo do capitalismo flexível busca-se inviabilizar muitas responsabilidades dividindo tais funções entre capitalistas e trabalhadores. Este capitalismo flexível, por hora, inclusive, inclui aos seus modos de produção a força de trabalho ao passo que a descarta visto a degenerescência do próprio capital. Ser flexível, segundo Sennet(2011, p. é “ser adaptável a circunstâncias variáveis, mas não quebrado por elas. A pós-modernidade surge como tendência filosófica de forma mais evidente a partir das décadas de 60 e 70 quando houve um grande abandono dos partidos de esquerda num movimento em que parte desses que abandonavam a esquerda passaram a infiltrar-se em movimentos sociais distintos, como a defesa do meio ambiente, feministas, movimento negro e outros.

Essa mudança política encabeçada pelo enfraquecimento de lutas esquerdistas integrais não substituiu, por sua vez, o establishment político tradicional. Para Ivo Tonet(2006, p. “o pensamento chamado pós-moderno faz questão de frisar que todas essas categorias, razão, progresso, emancipação, sujeito, são nada mais que ilusões das quais devemos desfazer-nos. ” Ainda sobre este aspecto afirma José Paulo Neto(2010, p. É a partir dos discursos e práticas que a cena se referencia e a rua continua sendo o ambiente de reconhecimento e reprodução dos comportamentos sociais. O estilo de vida, no entanto, nada tem a ver com os fundamentos da cultura, ou seja, aquilo que se chama o compromisso, muito afirmado por Sabotage. Os fundamentos não necessariamente tornaram-se mercadorias. Os fundamentos foram ressignificados através do processo de reprodução do capital.

Por outro lado, a afirmação de que é preciso falar de outras coisas veio acompanhado de práticas que buscou construir esses conceitos a partir de ações sistemáticas em espaços públicos contrariando muitos donos [126] de boate ao publicizar de forma mais ampla a cultura Hip Hop através das rodas de rima. Diversas afirmações e posts do MC Maomé da Cone Crew Diretoria também confirma essa regra. Os cinismos nas supostas auto-críticas também confirma essa regra. Na verdade essa regra faz parte da própria estrutura da cultura. Ela ao passo que visa fortalecer o elo entre um determinado setor também exclui outro que considera menos digno. A treta de Baco, Chinaski e todos os outros envolvidos gerou letras misóginas, extremamente agressivas com relação às mulheres.

Mesmo os grupos de resistência afirmam sua completa desconfiança com o gênero feminino fazendo ecoar um discurso historicamente construído que coloca a mulher como aquela que enfraquece os homens por ser sedutora e traíra. Ela é não só objeto de consumo, mas aquela que deve ser protegida, conquistada e conduzida. Em outras palavras é aquela que deve ser salva de sua condição de mulher. É ela que, supostamente desejosa de compartilhar dos mesmos valores dos homens (mas nunca de sua mesma posição social) precisa dele para se realizar, enquanto o MC se coloca na posição de comando, conquistador, da vida e livre em suas escolhas. Nos camarins as mulheres não falam porque aquele não é o espaço para ela se manifestar, tampouco se posicionam com relação a alguma questão que lhe diz respeito.

Podemos dizer que este desafio fora superado pelos grupos de rap que optaram pelo mercado, pela velha lógica conhecida da indústria cultural organizando-se como empresas. Se pensarmos a nível do privado estes tornaram-se pessoas bem sucedidas e de sucesso na cultura. São referenciais, influenciam e governam como líderes. Têm fãs que os veneram acriticamente. Produzem ideologias e opiniões descomprometidas com as contradições sociais e quando tocam nesse assunto são conservadores. Muitos clipes colocam a mulher como aquela que deve morrer de desejo pela figura central que é o MC, o artista que por sua vez não tem qualquer compromisso com a relação. E são esses grupos que se colocam no facebook de forma machista, muitas vezes declarando-se abertamente como tal e não vendo nisso [129] o mínimo de contradição.

E quando se colocam a pensar sobre o assunto é sempre em tom nostálgico e cínico nunca reflexivo ou autocrítico. É uma dissimulação que produz o apagamento da memória com tom de arrependimento. Uma técnica de poder e domínio. Desta forma, se articula como filosofia política e, ao mesmo tempo, como movimento social. É, ainda, uma consciência crítica sobre as tensões e contradições que encerram todos esses discursos que intencionalmente confundem o masculino com o universal. Por isso, o feminismo está relacionado ao seu caráter de classe, pois ele acompanha a história. Essas são questões gerais que deve ocupar as pautas na cultura hip hop. Pensar que o conhecimento é um conhecimento histórico e que coloca a luta entre segmentos antagônicos como o motor dos tempos.

No entanto devemos fazer a distinção entre a razão fenomenológica (usualmente utilizada pelo pós-modernismo) e a razão ontológica (social), sendo essa, como afirma Ivo Tonet(2006, p. uma razão posta pelo mundo do trabalho, mas do trabalho que se opõe ao capital, do trabalho como atividade humana, como a produção de valores de uso capazes de satisfazer as autênticas necessidades do ser humano, não do trabalho abstrato. E não é por outro motivo que se trata de uma razão de caráter radicalmente crítico e revolucionário. Pois à classe trabalhadora interessa buscar a raiz do mundo social para poder orientar a sua atividade no sentido de uma transformação também radical desse mundo. A Pós-modernidade propõe o abandono das categorias da totalidade e da essência, de modo que se pode dizer que esse pensamento, apesar de sua pretensão de opor-se radicalmente ao [131] pensamento moderno, nada mais é do que a elevação à enésima potência daquela concepção fragmentária da realidade; daquela dissolução da unitariedade ontológica da realidade que já demarcavam a razão moderna codificada por Kant.

Da margem ao centro O bairrismo e o fortalecimento de uma cena local funciona como forma de ascensão para determinados grupos que buscam criar uma ideia de sucesso tendo como diferencial a inserção num grande mercado de luxo e opulência. Por isso o bairro do Catete torna-se palco não somente dos relatos líricos de Ret, mas seu território e este deve ser defendido constantemente e sobretudo idealizado, romantizado. Dentro da perspectiva pós-moderna, “da saudade do presente”, como afirma Ret, muitas vezes nem mesmo cabe a preocupação com as contradições sociais. Trata-se de um mundo de imagens sensuais e auto-afirmação, propaganda e poder. Quando muito, refutam rivais internos que também alimentam o jogo pelo poder. O olhar que vigia e categoriza assim como a própria concretude das formas urbanas [133] esquematizam-se a dar complementaridade a uma boa conduta daquilo que se espera como previsto para, por fim, não abalar as estruturas convenientes.

É claro que dentro dessa perspectiva não há possibilidades fora daquilo que se pretende como norma. A transgressão, portanto, é ineficaz fora da compreensão de todo o jogo de poder que se encontra nas entrelinhas das relações hierárquicas. Uma conduta que não se pretende transgressora não sofre nada além de correções de postura para a manutenção contínua do estado de coisas. As impressões à pele nesse caso servem como contato seguro que já é substituído por uma nova forma numa velocidade impressionante. Dentro disso tudo, Ret constrói a ideia de rap libertário, que acompanha bem uma passagem de Terry Eagleton(1996, p. no qual este diz: Ao mesmo tempo libertário e determinista, sonha com um sujeito humano livre de limitações, deslizando feito um desvairado de uma posição a outra, e sustenta simultaneamente que o sujeito é o mero efeito do conjunto de forças que o constituem.

Acredita em estilo e em prazer, e costuma produzir de modo mecânico e em abundância textos que os próprios computadores, em vez de só servirem de instrumento, deveriam gerar. Pois a teoria pós-modernista desconfia de histórias lineares, sobretudo daquelas em que ela aparece como nada mais que um episódio. Nem mesmo as drogas, que em outras culturas serviu para experimentar sensações e sensibilidades outras através de buscas intensas no campo das possibilidades infinitas que a vida pode oferecer escapam à banalização. Mas abaixo deles assim que tão fazendo o seu sucesso, mas numa correria um pouco maior, Marechal, Aori, Max BO, Emicida agora. Tá vindo uma galera aí agora também, Flora Matos também agora subindo pra essa camada. Tá todo mundo meio que correndo muito pra fazer as paradas.

Não tem nada estouradão. Arthur – Como que esse rap se insere no mercado? De que forma eles estão criando a coisa? Ret – Como que essa indústria pode crescer? Arthur – Como que eles estão se inserindo no mercado? Como que tá se formatando esse mercado? Ret – Cara, a internet é um meio fundamental, com certeza aí democrático pra caralho. Que cena mesmo de mídia grande mesmo, de… Não vê programas de televisão em grandes canais com nome de rap. Arthur – Tem uma frase do Wallace que ele fala que “inventaram a internet e isolaram os indivíduos”. Também tem um pouco disso, né? [135] Ret – É. Na medida que esse canal é uma máquina, mané, tu se isola. Mas acho que vem pro bem. Arthur – Aonde você se inclui? Ret – Eu me incluo na galera que tá se divertindo pra chegar aonde a galera dos abaixo do pop estão.

…) Por isso que eu tô falando que essa hierarquia acho que é do ponto de vista industrial. Porque se tu vai fazer a parada, tu vai colocar os malucos que rendem mais já, né? Mas porque eles rendem mais já? Por vários motivos. Os caras têm qualidade a mais tempo do que os que estão surgindo agora. Ou no mínimo se dedicaram mais tempo, né? Algumas coisas atropelam outras, sabe qual é? Às vezes um tá ali se divertindo pode sim ter mais qualidade do que um que tá há muito tempo, mas que está na escala superior só porque está há mais tempo. Quando for jogar uma ideia, que essa ideia mesmo que não seja do bem ou do mal, que essa ideia faça vibrar alguma coisa na pessoa.

Isso é um poder. A palavra, né? Quando é emitida e faz vibrar alguma coisa em alguém. É porque é foda. Poder aí envolve liberdade e outras várias paradas. Então eu acho que a [136] primeira coisa que ele faz pra ser aceito no início ali da arte dele quando ele tá escrevendo as primeiras linhas, fazendo os primeiros beats, sabe qual é… Arthur – Não ser ousado? Ret – Eu acho que a primeira coisa que ele faz é não ser ousado. Acho que é do ser humano ele não ousar tanto quando tá entrando. Ele sempre entra na humildade. Então às vezes ele acha que aquilo ali é meio que o certo mesmo. Então ele começa a cantar rap e começa a porra, o que eu faço pra cantar rap pra ser bem aceito? Pra cantar lá no CIC, né, por exemplo, que é uma parada um pouquinho menor, o que eu vou fazer pra galera gostar de mim? Porra, eu preciso botar uma (inaudível), um bonezão, preciso falar umas paradas meio tipo do rap, né, preciso falar na gíria senão neguinho vai achar que porra, eu não sou daqui, então, né, ele faz de tudo pra se encaixar na parada pra neguinho ver que ele tá moldadinho mesmo.

E às vezes não ouvir muito, sabe qual é. Acho que também se envolve muito se ouvir muito. Também e preciso se des-envolver. É preciso. Mas eu acho que eu ainda não respondi a tua pergunta. Tipo, estar numa margem, que não é essa marginalidade aí. É uma outra marginalidade. Tipo, marginalize-se dessa marginalidade. Questione isso tudo que a gente vive e que a gente acha até legal, entendeu? Questione os seus questionamentos. Não analise. Queria mesmo, assim. Queria muito que o rap tivesse sim esse lado do gueto sim, mas que tivesse o lado mais anárquico. É preciso. Porque ainda é muito a galera falando de bagulho, ainda é a galera falando muito de positividade ou é ainda a muito a galera com moralismo criminal. E é foda sair disso, cara. E aí, sabe qual é? Bota pra rolo? Será que é só em primeira pessoa que a gente pode cantar? Tem que sair dessa.

Tem que se colocar nos outros lugares mesmo. Pra fazer isso demora muito. Arthur Moura – Em que consiste o discurso do rap? Ret – Cara, eu acho assim, antes de tudo primeiramente eu acho que a arte não tem que ser do bem pra ser boa, sabe qual é? Eu acho que o rap calha ainda nessa parada de querer fazer uma paradinha boa, do bem, passar uma mensagem positiva e eu acho que não necessariamente é isso. Eu acho que ela pode passar uma mensagem sim de caos, de confusão, de tragédia, de perturbação, de… aquela frase da Clarice Linspector, né, “perder-se também é caminho”. Enfim. Eu entendo o rap como ritmo e poesia. É claro que ele vem do protesto. Mas eu acho que o auge assim do rap é se tornar música.

Colocar a coisa melódica, ter esse apelo melódico pra tornar a comunicação ali mais agradável. Eu acho que não, cara. Nunca pensei colocada desta forma. O exemplo que eu te dei de eu indo trabalhar ouvindo música. o cara vai trabalhar de segunda a sexta e às vezes o cara tem um trabalho punk, toma esporro, enfim, do chefe, paradas clichês mesmo, mas é o que acontece. E no fim de semana o cara quer dançar. É o momento de catarse ali. Por fim, em 2014 fiz nova entrevista. Ret – A partir de 2010 as redes sociais passaram a ter uma importância fundamental, sacou? Eu acho que a revolução digital ela aconteceu em toda a década de 2000. Na década de 10 ela já não é mais uma revolução.

Ela já é um fato. Sabe? Por que que você é todo tatuado, por que que você é. como é que você canta que você tem uma sagacidade a mais se você tá perdendo no jogo, cara? Sacou? Tem certeza que isso é ser mais sagaz? Eu não acredito que isso seja ser mais sagaz. Eu acredito que se tu canta que tu é sagaz você tem que tá ganhando no jogo. Meu cérebro é igual ao dos caras que tão lá em cima e eu acredito que tudo que eles aprenderam eu posso aprender também. Então eu não caio em nenhuma armadilha dessa, sacou? Eu gostaria muito que esses moleques tatuados, de boné, de tênis, estilosos, que cantam, que fazem parte dessa cultura bacana, dessa música dominassem muito mais esse jogo.

Lá no início o clipezinho lá Neurótico de Guerra que custou dois mil reais com um maluco filmando com um roteiro que eu escrevi que não tem roteiro na verdade. Então quer dizer um clipe de dois mil reais que tu gravou que tu filmou com um cara hoje render pra gente tem cinco milhões de acessos (hoje com mais de 50 milhões de acessos), seis milhões talvez graças a deus. Então assim é correr atrás dos views sim. É correr atrás de likes sim. Eu trabalho com internet, maluco. Aquele que não acompanha o processo de legalização passa a ser sutilmente forçado a se integrar nesse sistema através da normatização legal da cultura de rua e da sua consequente burocratização.

A burocracia é a forma de organização das potências mundiais e dos estadosnação. O seu corpo rígido é estabelecido dentro de uma hierarquia igualmente rígida, nem por isso, como vimos com Sennet, inflexível às demandas do capital. A administração, diz Tragtenberg(2006, p. “enquanto organização formal burocrática, realiza-se plenamente no Estado. Isso quer dizer que ela foi elaborada e aperfeiçoada para isso. Qualquer intenção em desvirtuá-la dessa função é inútil. Ela se apresenta, tal como o capitalismo, como algo natural, inerente à própria existência humana. A burocracia foi elaborada pelo gênero humano, mas estranhamente não é feito para as pessoas ou para o seu bem estar. O entendimento do que vem a ser o hip hop assim como suas formas de produção artística passa a compor o universo do empreendedorismo, do respeito aos decibéis, da “responsabilidade autoral”, da dualidade entre dança e sensualidade, da música no combate ao crime não mais no combate contra as formas de opressão e das formas de se conseguir recursos através de modelos propostos por cursos de formação (para isso, um dos exemplos enfatizados é a CUFA).

O olhar do Estado, mesmo que distanciado não só das práticas, mas das necessidades da cultura, ainda assim conquista e cativa uma certa representatividade que por sua vez mostra-se solícita em negociar com empresas de grande porte, empresários ou, neste caso, políticos. Vale ressaltar que caso semelhante aconteceu com as rodas de rima, tendo o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes como uma das partes. Esse olhar que nivela as partes através do apagamento de contradições e posições históricas antagônicas pretende para tal a domesticação, controle e captura daquilo que possa oferecer perigo ao que está estabelecido como ordenamento social falseando a realidade através da construção de uma harmonia entre segmentos sociais que na prática se mostra totalmente adversa ao apresentado pelo discurso oficial.

Sendo assim, torna-se premente a organização de núcleos comprometidos não só com a discussão, mas com a publicização de tais contradições como forma a evidenciar os antagonismos através da fundamentação das críticas. Dentro dos limites desta explanação, tentamos muito mais evidenciar as possíveis relações que possibilitam, por fim, o comprometimento da cultura de rua com aparatos de poder como o Estado e o capital trazendo o entendimento de que o processo, mesmo não linear, nos esclarece sobre a atual conjutura que se encontra o hip hop. Fui para Juiz de Fora, Belo Horizonte e São Paulo e em todos esses lugares percebi a organicidade do movimento. O rap é um movimento que valoriza muito aqueles que, digamos, são de dentro.

Valoriza sua história através daquilo que produz e vem produzindo. Assim, as relações se consolidam a partir das formas como cada um se insere na cultura. Essa é a forma como buscamos nos legitimar. Logo em seguida exigiram propina para que a galera pudesse continuar. Os organizadores passaram a se reunir para decidir de que forma lidariam com essas questões e decidiram que não dariam dinheiro nenhum aos policiais e que continuariam a ocupar o espaço da forma como fosse possível. João conta que antes não havia organização nem mesmo para tratar de questões como essa. Eles simplesmente chegavam, cada um num horário, arrumava o som da forma como dava e tocava a coisa. Não vendiam cerveja ainda, enfim, era o começo.

O público pede sangue e o apresentador estimula: “o que que vocês querem?!”, e o público responde: “sangue!!”. Com isso, criou-se uma zona de conforto que impede o avanço de outras perspectivas nas rodas. Conversando com os frequentadores (de forma informal) percebi uma certa premência na existência de outros canais de comunicação que coloque algumas contradições em pauta. Dieguinho, um brother que é amigo da galera, skatista, disse: “aí, Thiago, a gente têm que fazer um debate”. Conversei muito com Dieguinho e João sobre a questão das manifestações. Existe um representante que faz ligações diretas com a prefeitura e se relaciona com as lideranças do CCRP. A roda que começou foi a de Botafogo e Thiago ressalta que lá sequer é a maior roda hoje em dia.

A maior é a de Vila Isabel. Existem outras grandes também, mas a de Vila Isabel é expressiva. E realmente é. ” A partir daí puxei um debate sobre questões pertinentes a forma como os organizadores se relacionam com o público. Eu disse que na minha visão o público acabou virando consumidor. Estão ali, até se envolvem de certa forma com o que está acontecendo, mas o poder de decisão e de mando cabe aos que organizam. No ônibus, na volta pra casa, pensei que a roda virou um point. Os points geralmente são lugares onde a juventude se encontra, se diverte, mas não há uma movimentação política efetiva que vise mudanças concretas ou algum tipo de enfrentamento. ” [145] Figura 26 - Roda cultural de Vila Isabel 2014 (foto de Arthur Moura) Figura 27 - Roda cultural de Vila Isabel 2014 (foto de Arthur Moura) [146] Caderno de Campo Roda de Rima de Icaraí – Niterói 21 de maio de 2014 “Cheguei na Praça Getúlio Vargas por volta das 19 horas e ainda tinham poucas pessoas.

Observei que havia cerca de cinco guardas municipais reunidos. DG chegou não muito animado. Havia uma certa tensão na praça por conta dos agentes da repressão. Eu não havia percebido de cara, mas tinham policiais também. Mas logo em seguida me aproximei. No momento que me aproximei, um dos policiais que se identificou como sargento, disse ao Ghelo que iria “dar um lacre” na mercadoria caso ele quisesse vender ali na praça. O sargento dizia que algum vizinho reclamou e que ali não podia ser mais realizado o evento. Dizia que não podia fumar maconha e que a ordem deveria ser estabelecida no local. Em determinado momento eu intervi no sentido de refutar qualquer ideia que relacionasse o movimento que ali se realizava com bagunça, desordem, crime ou qualquer ilegalidade.

A batalha se realizou, eu filmei até a segunda metade do evento e vazei. Antes de ir, apresentei a ideia de o coletivo produzir um material em nome da roda sobre o ocorrido após uma reunião onde as ideias pudessem ser postas em prática. ” [147] Figura 28 - Roda cultural de Icaraí 2015 (foto de Arthur Moura) Figura 29 - Roda cultural de Icaraí 2015 (foto de Arthur Moura) [148] As rodas de rima e a função do público As rodas de rima são núcleos que surgiram a partir de uma já movimentada cena em locais principalmente como a Lapa. A primeira roda foi a da Lapa e lá surgiu devido a já grande movimentada cena do bairro. A Fundição Progresso, o Circo Voador, a Batalha do Real, Liga dos MC´s e a clássica festa Zoeira todos esses eventos e lugares tem e teve a Lapa como lugar privilegiado para a formação da cena do rap na cidade ao longo dos anos 2000.

Com o tempo as boates tornaram-se oportunidade de negócio para os próprios organizadores de eventos de rap underground antes mesmo da existência das rodas culturais de rima, mas era lucrativo principalmente para os donos das casas. Com o advento das rodas o circuito ganha a possibilidade de ampliar o acesso do público com o hip hop de maneira mais próxima, nem por isso horizontal. As rodas, no entanto, mantém uma relação dialética com esse contexto, pois ao mesmo tempo em que fortalece uma cena comercial muitas vezes preparando os que mais se destacam para o mercado, também produz seu próprio circuito e formas de resistência, pois o fato de se ocupar um espaço público cria automaticamente conflitos com aqueles que entendem a cidade como um campo privado ou reservado para algum segmento em especial.

O Estado, por defender um interesse de classe, obviamente relaciona-se e apropria-se da cultura com objetivos muito claros, ou pelo menos deveria ser. No entanto, até mesmo essa relação se modificou. Eles compõem também parcela significativa dos que consomem os produtos vendidos por artistas e empresas. Em seguida temos uma geração de 25 a 30 anos que frequentam esses espaços ocasionalmente mais como uma forma de encontrar velhos amigos, sendo que há também uma parcela significativa que utilizam desses espaços para divulgar seus trabalhos, produções e estabelecer parcerias. Existem os moradores locais que também dão corpo a esse público e que não necessariamente tem envolvimento direto com o hip hop, mas nem por isso deixam de apreciar os eventos. A relação com os moradores é ambígua.

No caso da roda de Icaraí, por exemplo, os moradores do bairro sentem-se invadidos por perceber forte aglutinação de jovens de classes diferentes na praça Getúlio Vargas. O uso competitivo estimulou a formação de MC´s igualmente competitivos e adequados às normas. Quando nos perguntamos “o que houve com o hip hop? Por que o rap tornou-se tão fútil e ligeiro?”, devemos ter em mente as contradições históricas que estão em jogo. Isso indica para algo apontado lá atrás que foi a consequente separação dos elementos, um dos problemas centrais a ser analisado. A supervalorização do MC gerou o estranhamento deste elemento aos demais a partir do momento que transformou-se em líder, empreendedor, ídolo e formador de opinião.

O MC virou um elemento que faz a ponte entre o capital e a cultura. Em paralelo a isso tudo há o lugar do público e do MC cada qual portando função definida na cena refletindo consequentemente nas organizações e na forma como elas se dão. O público é o consumidor, aquele que faz a economia girar. O MC é a mercadoria a ser consumida. O MC que lá atrás fazia freestyle nas ruas, pouco sabia sobre a vida mas já agia no instinto da sobrevivência, regra dos ambientes com escassez, e que depois venceu as principais batalhas, geralmente negro e pobre, revoltado contra o sistema, que passou a se destacar na cena, ganhar respeito e prestígio, público e dinheiro, destacou-se como empreendedor; fez milagre com pouco trazendo os principais aliados junto formando verdadeiras empresas, são agora homens de negócio.

Cantam a opressão na medida que a vendem; supervalorizam suas imagens que passam a ser marcas, portanto, passível de [153] consumo e por fim dispõe à cena, mas também aos bancos ou qualquer tipo de mercadoria à venda. O desafio em freestyle (estilo livre) agradou ao público e mostrou a versatilidade da Banda GM-Rio. Três saxofonistas e um pistonista subiram ao palco e acompanharam as performances dos MC's. Pela primeira vez, a banda participou de um evento que promove manifestações culturais associadas ao mundo do Rap e do Hip Hop. O maestro Bruno Rodrigues criou dois arranjos especiais: uma versão em ritmo afro da música "Mais Que Nada", de Jorge Ben Jor, e um medley com canções do astro pop Michael Jackson. rio. Para MV Hemp, um dos meus entrevistados e pessoa que eu acompanho o trabalho a mais de uma década, a diferença é clara.

Diz o ambulante cultural: “Rolou a de Botafogo. Pá! Sucesso total. Vitrine. Tem as diferenças dos bairros. Por mais que se queira exercer um controle sobre as rodas de rima, estas por terem sido criadas a partir de movimentações coletivas proliferou-se como uma necessidade de se estabelecer uma sistematicidade em se ocupar um território local com manifestações também locais. Ao mesmo tempo em que forja identidade também fortalece toda uma relação que é criada na cidade em seus mais variados locais. Figura 32 - Gil Metralha canta na Roda Cultural do Méier 2014 – foto de Arthur Moura [157] Ocupar e resistir A divisão social do trabalho ressignificou o sentido da produção, transformando em mercadoria tudo aquilo que não diz mais respeito aos trabalhadores. O sentido do trabalho na modernidade diz respeito fundamentalmente àquilo que garante a capacidade de reprodução do capital.

Mesmo agora com a fase do capitalismo flexível o trabalho perde cada vez mais o seu valor e sua capacidade de congregar para a construção de algo comum. As mercadorias continuam sendo as prioridades e os indivíduos vivem no paradoxo do consumo insaciável e da produção desenfreada. A vida regrada, normativa e altamente acelerada coloca o cidadão (categoria essencialmente jurídica) como ser passivo e que ao longo de sua existência desenvolverá desilusões e sofrimentos que ao mesmo tempo lhe parecerá estranho e incompreensível pelo fato de atribuir os dissabores da vida a ordem do pessoal, do privado, como algo próprio do indivíduo sem correlação com o contexto que o cerca. O sofrimento físico e psíquico, ao mesmo tempo em que é detectável pois habita o corpo e o espírito é também ao que parece insolucionável já que o indivíduo é o portador da dor não sendo capaz em última instância de compreender toda a dinâmica que o cerca comportando-se como um passageiro, um hóspede em seu próprio tempo.

O sofrimento como principal categoria compartilhada alimenta os vultos da existência dando margem ao mercado das tristezas, das religiões, do consumo desenfreado de drogas, dos relacionamentos esporádicos e da vida solitária, da angústia cotidiana, sistemática e, claro, do isolamento. Dentro de tudo isso é comum que os indivíduos explodam em felicidades em momentos construídos exatamente para esta função. As rodas tornaram-se estratégias de ocupação do espaço público consolidando pontos de referência da cultura hip hop. Ao mesmo tempo em que existe como elemento local, as rodas culturais constroem redes interligadas com diversos outros pontos da cidade, abrangendo São Gonçalo, Niterói, Zona Norte, Sul, Baixada, Centro e Zona Oeste do Rio de Janeiro. Esse resgate como cultura de rua resultou em conflitos contra a ordem burguesa das cidades capitalistas.

Isso quer dizer que mesmo diante de diversas adequações a criminalização é fator imperante tanto no governo de Eduardo Paes como do atual [159] Crivela. O Estado tudo faz para proibir que os jovens se encontrem e produzam cultura e alternativas de formação para a juventude e para os bairros de uma forma geral. Me lembro que uma das questões foi a denúncia de um dos ocupantes (que antes já ocupava a praça na condição de morador de rua) para a polícia por ter tido um comportamento excessivo em algum aspecto. Ora, as contradições de classe não desaparecem se um grupo de pessoas se organiza de forma autônoma para ocupar um espaço público. Na cozinha estavam mulheres, negras a maioria, em boa parte das vezes alheias aos acontecimentos políticos das assembleias.

Havia homens, mulheres, negros e brancos, moradores de rua, pessoas de classe média, crianças e jovens, professores e artistas, poetas e músicos, jornalistas e escritores e, logicamente, infiltrados. A maioria deles são os invisíveis ou simplesmente os que servem aos interesses de reprodução incenssante do capital, os subalternos. Há prisões, ameaças e torturas. Figura 33 - Cozinha da OcupaRio 2011 – foto de Arthur Moura [161] Os muros da cidade: entre o silêncio e a revolta Uma das questões que envolve os usos da cidade é ocupar a cidade com manifestações tanto do graffiti como da pichação. A questão do graffiti e da pichação tem entrado em pauta recentemente principalmente pelo que vem ocorrendo em São Paulo a partir da posse no novo prefeito da cidade João Doria.

O novo prefeito elegeu-se no jogo democrático-burguês com certa vantagem com relação aos demais candidatos não pela sua suposta competência em administrar e resolver os problemas da cidade, mas pelo lugar que ocupa na sociedade, por ser um capitalista milionário e ter forte ligação com figuras importantes politicamente como Geraldo Alckmin o que alavancou a sua campanha devido ao apoio do atual governador. A eleição de Doria também resultou da conjuntura que vem se formando na política do país onde se criou grande ódio aos políticos sobretudo de correntes da esquerda parlamentar – neste caso específico notadamente o PT criando forte sentimento anti-petista sendo Doria também entusiasta desse sentimento – tendo supostamente um caráter diferenciado por ser um gestor capitalista e não um político profissional.

As cidades vem tornando-se artigos de luxo. Na construção desse ideário estão empresários que através de sucessivos exemplos de cidades mundiais estabelecem formas virtualmente análogas ao processo de mundialização das cidades em grandes mercados, ou se quiser, a transformação das próprias cidades numa mercadoria a ser consumida por um público específico, a saber as classes dominantes. Dentro dessa configuração as cidades tornam-se pátrias, empresas e mercadorias. Isso tudo não deixa espaço obviamente para as expressões populares ou transgressões como a pichação e graffiti que favorece a produção de novas subjetividades. Sobre o caráter político da pichação, Rink coloca o seguinte: A pichação foi amplamente utilizada como um dos poucos recursos possíveis no momento em que havia restrições à liberdade de expressão no Brasil.

Tais referenciais hoje apresentam-se nas formas elementares de mercado que o Hip Hop aos poucos se inseriu demonstrando que a dinâmica das relações passaram por um estágio de construção política dos fundamentos aos processos de apropriação da cultura pela lógica de consumo. Para isso foi preciso partir de fundamentos que aos poucos ganharam novas dimensões muitos deles possíveis apenas no capitalismo e suas formas de poder. Esse processo como um todo é percebido de forma insuficiente tanto por um movimento que visa a manutenção de um cenário acrítico como pelos que buscam o resgate combativo do Hip Hop. Não basta entender o Hip Hop, é preciso investigar a conjuntura política e seu caráter global. O processo histórico que se configura a partir da segunda metade da década de oitenta até 2000 é conhecido de forma razoável.

O desafio é adentrar de forma persistente numa intensa investigação sobre os valores, formas organizativas e artistas que se constroem como referenciais, no caso das representações. Passamos, então, a uma investigação sobre as resistências e suas formas de contraposição ao atual estado de coisas e também a relação do público com os espaços ocupados, das lideranças e relações estabelecidas tanto com empresas como o Estado. É preciso tornar público de forma esclarecedora o confronto existente entre os diferentes referenciais de poder que compõe a cena cultural e sua relação com o todo. Teremos bons resultados ao fazer uma leitura sobre os diferentes ethos que compõe a cena, passando a entender seus projetos, demandas, propostas, articulações e formas de enfrentamento, assim como suas formas de alienação.

A problemática que se segue é que para entendermos toda essa dinâmica e o caráter do contraditório é preciso análises e construções conceituais a partir de um olhar de dentro munido não só do acúmulo prático, mas de acúmulo teórico, para que a partir dessa relação com os conhecimentos possamos produzir leituras críticas e propositivas. Tenho clareza das inúmeras questões ainda pouco aprofundadas no meu percurso investigativo. Essas questões me incentivam a continuar estudando e aprofundando a cultura do Hip Hop, a cena do Rap no Rio de Janeiro, sobretudo pela complexidade e pela atualidade de pesquisar práticas culturais e musicais da juventude das periferias nos territórios da cidade. Mas essas já são novas questões, novos percursos, outras histórias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: COUTINHO, Carlos Nelson. O estruturalismo e a miséria da razão. D´ANDREA, Tiarajú Pablo. A Formação dos Sujeitos Periféricos: Cultura e Polítca na Periferia de São Paulo. Universidade de São Paulo, 2013. FREDERICO, Celso. Marx, Lukács: a arte na perspectiva ontológica. RINK, Anita. Graffiti: intervenção urbana e arte, apropriação dos espaços urbanos com arte e sensibilidade. Curitiba. Appris, 2013. INEM, Clara e BAPTISTA, Marcos. A corrosão do caráter conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2011. AUGUSTO, Acácio. Política e polícia: cuidados, controles e penalizações de jovens. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Oficina do autor. CAMARGOS, Roberto. Rap e política percepções da vida social brasileira.

São Paulo. Blog Informe e Crítica VIANA, Nildo. Discurso e Poder, 2009 Blog Informe e Crítica QUEM TEM MEDO DA UTOPIA? Nildo Viana Blog Informe e Crítica VERONICA, Tatiana. Hip Hop e mídia: negociando interesses e ampliando conceitos, 2006. MACEDO, Iolanda. A linguagem musical rap: expressão local de um fenômeno mundial.

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